o globo
ONão sei se vocês conhecem o episódio que acabo de descobrir a respeito de um poeta, talvez o maior em língua portuguesa, sobre a vida do qual a gente acha que já sabia tudo setenta anos após sua morte. Ele é Fernando Pessoa — ou Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caeiro, Bernardo Soares, quatro dos mais famosos heterônimos que lhe serviram de alter ego e que no total devem ser mais de 80.
Não se trata da descoberta de qualquer segredo sobre a discutível sexualidade do poeta. Quanto a isso nada de novo. Há, como se sabe, os poemas homoeróticos, há o romance meio platônico com Ophelia, primeiro através de cartas, encontros e apenas um ou dois beijos e, nove anos depois de uma separação "sem qualquer razão concreta", como ela escreveu, o reatamento: "Sei que qualquer outra pessoa não seria capaz de 'namorar' o Fernando (as aspas são dela). Mas eu compreendia-o muito bem." Quando pararam de se ver e de se corresponder, em janeiro de 1930, "Fernando dizia-me constantemente que estava doido". Mesmo durante o longo afastamento, ela acreditava que ele gostava dela: "Não deixou de pensar em mim." Há enfim indícios de homossexualidade, mas nenhuma certeza.
O que li como novidade numa revista portuguesa já constava, porém, do site Mix Brasil, onde a ensaísta Thereza Pires, usando versos de Pessoa como epígrafe — "O amor é que é essencial. O sexo é só um acidente./ Pode ser igual ou diferente" — fala de tudo isso e mais: de como em 1928, trabalhando em propaganda, o autor de "Mensagem" fez a campanha de lançamento da Coca-Cola em Portugal para a agência McCann-Erikson.
"O humor mordaz do poeta criou o slogan 'Primeiro estranha-se, depois entranha-se'", informa Thereza. De saída foi um sucesso, a que se seguiu um enorme prejuízo financeiro. "O então diretor de Saúde de Lisboa entendeu que a mensagem publicitária era um explícito reconhecimento da toxicidade do produto e decretou a interdição de todo o estoque do refrigerante, que foi lançado ao mar."
Ainda bem para a literatura. Se continuasse fazendo anúncios, Pessoa talvez não tivesse tido tempo de escrever grande parte dos 25 mil textos que, calcula-se, escreveu. Como disse Ophelia (*), "ele não queria trabalhar todos os dias, porque queria dias só para si, para a sua vida, que era a sua obra. Vivia com o essencial. Todo o resto lhe era indiferente". Morreu em 1935 de cirrose hepática, causada provavelmente por excesso de álcool.
* "Cartas de amor de Fernando Pessoa" — Organização, posfácio e notas de David Mourão-Ferreira. Edições Ática, 1978. Lisboa.
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Chega de impunidade! Juscelino precisa tomar uma providência urgente contra esse coronel Licurgo. O país não agüenta mais suas crueldades.