O GLOBO
Com apenas uma semana no ar, "JK" já permite prever sucesso idêntico a "Um só coração", também de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira, esses craques da reconstituição histórica. Misturando às vezes um pouco de ficção à realidade, mas com tal habilidade que é como se o que não aconteceu pudesse ter acontecido, os dois construíram uma dramaturgia que é importante não só para a televisão, mas para a produção audiovisual em geral.
Assim como a minissérie anterior usou como pano de fundo a São Paulo modernista, esta de agora, a da era JK ou dos "anos dourados", vai surpreender o Rio num de seus momentos de maior efervescência criativa em diversos campos: música, futebol, cinema, teatro, arquitetura, literatura.
A arte, estimulada pelo arrojo do governo Juscelino, descobriu novos ritmos e harmonias, uma nova maneira de cantar, compor, tocar violão, fazer teatro, filmar e, principalmente, uma nova mentalidade, contra o atraso e a subserviência cultural.
A exemplo do que Tom Jobim e João Gilberto cantavam na música, tudo era mais ou menos desafinado, e dava certo. Garrincha tinha as pernas tortas, Pelé era muito novo para a seleção, Guimarães Rosa escrevia difícil, Vinicius levava o mito de Orfeu para a favela e Brasília era o delírio de um louco — sim, porque só um louco seria capaz de em três anos e dez meses de construção da nova capital ir 225 vezes à cidade, viajando de início num DC3, que fazia 200km por hora, e depois num Viscount, que fazia 400km. "Eu chegava lá às 10h ou 11h da noite. Percorria as obras até às 3h da madrugada, quando tomava de novo o avião."
Quem melhor entendeu o papel de JK foi Nelson Rodrigues, que disse: "Ele trouxe a gargalhada para a presidência", referindo-se ao alto astral do presidente e ao seu gosto por prazeres como a dança e o namoro. Para o dramaturgo, não importavam os erros cometidos — inflação alta, dívida externa, suspeitas de corrupção — nem mesmo as grandes realizações materiais, Furnas, Três Marias, indústria automobilística, Brasília — mas sim o que ele fez com o homem brasileiro: "Sacudiu, dentro de nós, insuspeitadas potencialidades. A partir de Juscelino, surge um novo brasileiro."
Em outras palavras, do próprio Nelson, JK acabou com o nosso complexo de vira-lata. Para os que tentam imitar o "Presidente Bossa Nova" ou se parecer com ele, Nelson Rodrigues fez uma advertência há mais de 40 anos que é válida até hoje, como a minissérie mostrará: "O Brasil só conheceu um Juscelino." Cuidado com as imitações.