emparedar a CPI
O publicitário ameaça revelar
os bastidores de todas as
campanhas de que participou,
caso seja convocado a depor
novamente na comissão
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Otávio Cabral
Valter Campanato/ABr![]() |
| Duda Mendonça: especialista em caixa dois, ele conhece detalhes comprometedores de campanhas |
Na semana passada, a Comissão Parlamentar de Inquérito que apura corrupção no governo tinha uma reunião marcada para votar o requerimento de convocação do publicitário Duda Mendonça, apresentado pela senadora Heloísa Helena, do P-SOL, após a descoberta da nova conta secreta que o marqueteiro do presidente mantém nos Estados Unidos. Duda, por enquanto, não precisará se explicar. Na sessão, que foi cancelada, apareceram apenas dois parlamentares e a convocação não pôde ser analisada. Não é incomum que algumas sessões do Congresso deixem de acontecer pela ausência de deputados e senadores. Mas esse não foi exatamente o caso da CPI. Duda, na verdade, está tentando emparedar a comissão – e alguns de seus integrantes estão usando Duda para tentar salvar companheiros seus. Acuado pelas denúncias de recebimento de dinheiro de caixa dois, contratos fraudulentos, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro, o publicitário telefonou para alguns antigos clientes e avisou que, caso seja obrigado a comparecer novamente ao Senado, não poupará ninguém. Ameaça revelar detalhes de como foram pagas as campanhas de governadores, deputados e senadores nas últimas três eleições. Como o publicitário trabalhou para políticos de praticamente todas as legendas, instalou-se o pânico.
"Não trabalhei só para o PT; fiz campanha para todos os partidos. Se sentar na CPI de novo, conto tudo o que sei. Vou explodir todo mundo, não vou poupar ninguém desta vez", afirmou Duda a um interlocutor, que fez chegar a ameaça a pelo menos cinco senadores responsáveis pela investigação. É improvável que se trate de um blefe do publicitário. O estrago que Duda Mendonça produziu ao comparecer pela primeira vez à comissão reverbera até hoje nas entranhas do PT. O marqueteiro admitiu ter recebido parte do pagamento pela campanha de Lula, 10,5 milhões de reais, através de uma conta secreta no exterior, abastecida por Marcos Valério. A revelação empurrou o PT de vez para a vala comum da marginalidade eleitoral e ajudou a fazer emergir o lado sujo das campanhas políticas. Também mostrou que o marqueteiro Duda Mendonça é uma engrenagem fundamental para o funcionamento de estruturas clandestinas de arrecadação e pagamento de despesas eleitorais. Em vinte anos de carreira, Duda já fez mais de sessenta campanhas para partidos. É um arquivo vivo que conhece os subterrâneos de muitas campanhas, de muitos partidos, de muitos políticos. Por isso, ele assusta.
O primeiro alvo das ameaças do publicitário foi o senador Aloizio Mercadante, líder do governo no Senado. Na quarta-feira passada, parlamentares do PSDB e do PFL, alguns deles integrantes da CPI dos Correios, resolveram pressionar o senador usando informações supostamente passadas pelo publicitário Duda Mendonça. Em uma reunião na sala da liderança do PFL, que durou uma hora e dez minutos, os oposicionistas decidiram envolver o líder petista nas investigações da CPI. Segundo relato de um senador tucano, a nova conta do publicitário Duda Mendonça recebeu recursos para a quitação das despesas de campanha de Mercadante ao Senado. Se o publicitário confirmar essa versão, Mercadante poderá acabar respondendo a processo e perder o mandato. Mas não é isso que a oposição quer. A estratégia da oposição é usar Duda para forçar o PT a fazer uma barganha para poupar o senador Eduardo Azeredo, do PSDB, e o deputado Roberto Brant, do PFL. Os dois parlamentares também receberam dinheiro clandestino do empresário Marcos Valério. Roberto Brant, inclusive, já teve o pedido de cassação de mandato aprovado pelo Conselho de Ética. Azeredo aguarda o relatório da CPI dos Correios.
Fotos Beto Barata/AE![]() | ![]() |
Celso Junior/AE![]() | O senador Mercadante (à esq.) é o primeiro alvo de Duda para tentar evitar depoimento à CPI. A oposição chantageia para livrar da cassação o tucano Eduardo Azeredo (acima à dir.) e Roberto Brant, do PFL |
Participaram da reunião doze parlamentares oposicionistas, incluindo o presidente do PFL, Jorge Bornhausen, e o do PSDB, Tasso Jereissati, que chegou no fim, quando a chantagem já havia sido decidida. Aliás, houve um momento de grande constrangimento. O senador Eduardo Azeredo apareceu no instante em que o líder de seu partido, Arthur Virgílio, explicava a estratégia para salvá-lo. Azeredo abriu a porta, ouviu, fechou-a e decidiu esperar do lado de fora. O que se discutia na sala dos pefelistas, aliás, era realmente de enrubescer qualquer um com um mínimo de vergonha. Para salvar Azeredo, defendiam os tucanos, bastava envolver Aloizio Mercadante com o valerioduto e as contas clandestinas de Duda no exterior. O publicitário ajudaria na tarefa. Para salvar o pefelista Roberto Brant, bastaria o PT votar em plenário pela absolvição do parlamentar. Como o voto é secreto, ninguém ficaria sabendo do acordo. O senador Arthur Virgílio ficou encarregado de levar a proposta a Aloizio Mercadante e ao petista Delcídio Amaral, presidente da CPI dos Correios. Os dois negam ter conversado a respeito desse assunto com o líder tucano. "É um factóide, uma piada da oposição, que está nervosa com o avanço das investigações das campanhas de 1998 e faz ameaças", afirmou Mercadante. "Se vierem falar comigo, não passarão da preliminar." O senador nega, é claro, envolvimento com qualquer pagamento a Duda no exterior. Segundo ele, o publicitário foi contratado pelo diretório nacional do PT para fazer cinco campanhas em 2002, entre elas a dele para o Senado. Ou seja, mais uma vez um petista diz que, se houve irregularidades, ele nada sabia. Dá para acreditar em Mercadante?
A tentativa de emparedamento da CPI começou a produzir efeitos práticos e imediatos. Estava marcada para quarta-feira uma reunião administrativa da CPI dos Correios na qual seria votado o requerimento de convocação de Duda Mendonça, apresentado pela senadora Heloísa Helena. Na véspera, porém, assustados com as ameaças de Duda, líderes de partidos do governo e da oposição procuraram o presidente da CPI, Delcídio Amaral, com o objetivo de adiar o encontro. A saída foi antecipar duas reuniões de sub-relatorias da CPI, que estavam previstas para o período da tarde, e marcá-las para o mesmo horário da reunião administrativa. Como não pode haver coincidência de horário entre reuniões, uma delas seria cancelada. Heloísa Helena e Jefferson Peres, do PDT do Amazonas, não foram avisados da manobra e chegaram a comparecer à sala de reuniões da CPI. Deram com a cara na porta. "Eu fiquei danada", reclama Heloísa. "Não tiveram nem a coragem de avisar da armação", reclama a senadora. Duda e muitos políticos respiraram aliviados.
Na semana passada, VEJA publicou documentos que comprovam que o publicitário oferece a clientes muito mais que idéias geniais para campanhas políticas. Seus serviços incluem um pacote de fraudes que vão desde a assinatura de contrato formal com valor simbólico para ocultar o caixa dois e enganar a Justiça Eleitoral até acertos que vinculam o sucesso da campanha a futuros contratos de publicidade no governo. No Rio de Janeiro, o Ministério Público investiga uma nova modalidade de golpe criada pelo publicitário: a antecipação de receita para a campanha. Antecipação com recursos públicos, é claro. Em 1995, o governador do Rio, Marcello Alencar, contratou sete agências para cuidar da propaganda oficial. Dois anos depois, na véspera de disputar a reeleição, as agências foram convocadas para uma reunião. Na época, o filho do governador, Marco Aurélio, que também era secretário da Fazenda, comunicou que seu pai seria candidato à reeleição e que seu partido, o PSDB, contrataria a agência A2CM, de Duda Mendonça, para produzir a campanha. Marcello Alencar exigiu que as agências que trabalhavam para o governo transferissem metade de seus contratos para Duda Mendonça. Ou seja, as agências que venceram a licitação pública deveriam passar metade dos valores para a empresa de Duda, sem licitação ou concorrência.
Das sete agências que trabalhavam para o governo do Rio, seis toparam o negócio. O caso só foi descoberto porque a agência que não aceitou repassar dinheiro a Duda denunciou o caso ao Ministério Público. "A empresa A2CM foi a beneficiária de toda a sórdida estratégia, enriquecendo-se ilicitamente em razão das subcontratações firmadas com as agências publicitárias", escreveu o promotor de Justiça Rogério Pacheco Alves na ação que pede a devolução de 5,1 milhões de reais aos cofres públicos do estado. Curiosamente, é o mesmo valor que o publicitário cobrou no caixa dois de outro candidato a governador em 1998, usando a mesma A2CM. O Ministério Público também pediu que a empresa de Duda fosse impedida de celebrar contratos com o poder público por cinco anos. Como o ex-governador Marcello Alencar tem foro privilegiado, o processo está esquecido em um escaninho do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília. Duda Mendonça, assim, pôde continuar tranqüilamente celebrando seus contratos de caixa dois. Nesta semana, ele vai ser ouvido pela Polícia Federal em Salvador. O publicitário não quer mais pôr os pés em Brasília, por conselho dos seus orixás. Tem muita gente rezando e fazendo oferendas para que ele continue bem longe do Congresso.Elza Fiuza/ABr![]() |
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