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Em três anos, 70 presos morreram de inanição e 200 mais vegetavam nus e sem assistência porque as autoridades alegavam estar sem recursos. Organizou-se para socorrê-los campanha com slogan moderno: "Um cristão por dia para acabar com a fome". A idéia era encontrar 366 pessoas dispostas a doar o custo de alimentação de um dia. No início, as respostas foram lentas, mas o governador doou 12 dias, o bispo fez o mesmo e o problema foi aliviado.
Quem narra esse fato espantoso é o historiador A. J. Russell-Wood em "Fidalgos e Filântropos", a história da Santa Casa da Misericórdia da Bahia. Foi entre 1733 e 1736, em Salvador, capital do Brasil, e o governador era o vice-rei, Conde de Galvêas. Já naquela remota era, o Estado no Brasil acabava delegando à iniciativa particular o que não era capaz de fazer.
A entidade, no caso, era a Santa Casa, fundada na época de Tomé de Sousa, em 1549 (a de Santos, fundada por Brás Cubas, é mais antiga ainda). Durante os três séculos da colônia, a Misericórdia da Bahia manteve o único hospital de cidade que saltara de mil a 130 mil habitantes. Mas não era só isso. A Santa Casa cuidava dos funerais, dos enjeitados (antes às vezes devorados por cães), dos dotes de moças pobres, assistia aos presos, inclusive na ajuda jurídica, mantinha recolhimento para senhoras, asilo de pobres, hospício de loucos, administrava o cemitério, em suma, realizava boa parte das funções de assistência e bem-estar hoje assumidas pelo governo com os resultados que se sabem.
O que era uma Santa Casa? Uma irmandade de inspiração religiosa, mas formada por leigos, independente da igreja e do governo. Atualmente, seria uma ONG, uma entidade do terceiro setor. Os membros eram voluntários com espírito associativo, que contribuíam com tempo, dedicação e dinheiro. Na Bahia, por exemplo, o município nunca gastou um vintém com saúde. A Coroa foi mais generosa, mas em paga do tratamento a soldados e marujos. O essencial dos recursos vinha de particulares: doações e heranças. Uma delas, no fim do século 17, chegou a um milhão de cruzados, equivalente a muitos milhões de dólares atuais.
Como foi que esquecemos essa história? Passamos a crer que nunca tivemos vocação associativa ou voluntariado, que herança filantrópica é coisa de milionário americano. Leituras parciais da história nos fizeram crer que tudo no passado era a Coroa, que a sociedade civil, inexistente ou incipiente, nada fazia de modo voluntário, esperando sempre a iniciativa do Estado. A teoria do patrimonialismo fez o resto: os particulares tomariam de assalto o Estado, tratando o Tesouro e os cargos oficiais como propriedade pessoal.
Há muito de verdade nessas teorias. O problema é que elas criaram um viés conceitual que levou a ignorar o que não se encaixa dentro do molde interpretativo. Talvez por isso os historiadores brasileiros no passado, mesmo os maiores, não se interessaram muito por esse aspecto da história. Capistrano, por exemplo, nos "Capítulos de História Colonial", só três vezes menciona as Misericórdias, sempre em uma ou duas linhas. Foi preciso esperar pelo inglês Russell-Wood para valorizá-las.
Outro grande historiador inglês, Charles Boxer, escreveu que as Santas Casas e as Câmaras Municipais haviam sido os pilares gêmeos da sociedade colonial portuguesa do Maranhão a Macau, dando unidade básica a império heterogêneo. Apesar de alguns abusos, sobretudo no século 18, avaliou como surpreendente o padrão de honestidade e eficiência mantido pelas Misericórdias ao longo de séculos.
No dia 26 próximo, em Salvador, estaremos celebrando a abertura da sede restaurada e inaugurando ala do museu que faz parte do Portal da Misericórdia. Será ocasião não só de lembrar a glória do passado mas de realçar que as Santas Casas são, no Brasil de hoje, as instituições não-lucrativas da sociedade civil que melhor poderão fazer o que o Estado entre nós não é capaz de executar: administrar a política de saúde com honestidade e competência.
Entrevista:O Estado inteligente
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