| O Estado de S. Paulo |
| 9/1/2006 |
Claro que há variações de política econômica, mas não se escapa da alternativa: abrir espaço para o mercado ou ampliar a intervenção do Estado. O equívoco histórico da esquerda está na tese de que só pode haver crescimento justo com estatização. Está ocorrendo de novo por aqui, na América Latina. Logo, é só expropriar isso tudo – reservas, plataformas, refinarias, poços, gasodutos e oleodutos – e o governo tem nas mãos um instrumento poderoso. Mas, e daí? Como transferir para o povo a renda das riquezas naturais? Ok, tem os programas de Bolsa-Família, mas isso não gera o crescimento econômico para tirar um país inteiro da pobreza. Nessa rota a Bolívia ficará parecida com uma Venezuela mais pobre, já que o petróleo dá muito mais dinheiro que o gás, principal reserva boliviana, sem contar que a estrutura de produção venezuelana foi mais desenvolvida. Hugo Chávez promove inúmeros programas governamentais de distribuição de renda e, mesmo sem olhar de perto, se pode apostar que, primeiro, grassa a corrupção e, segundo, a clientela se torna instrumento político. Não é preconceito. No mundo todo, uma burocracia com poder e dinheiro tende inexoravelmente à roubalheira e à politicalha. Assim, na partida Morales poderá lançar alguns programas sociais sem a garantia de que vão funcionar, como se viu no Brasil com o Fome Zero. Mesmo que funcionem, o fôlego será curto. De novo, isso não põe um país numa rota de crescimento sustentado. Será necessário mobilizar montanhas de capital para desenvolver a produção e a venda de gás, além de toda a infra-estrutura nacional – e o governo não tem capital além desse que vai expropriar. Em circunstâncias normais, o governo poderia contratar companhias internacionais, incluída a Petrobrás, que seriam remuneradas com a renda da produção futura. Mas que companhias vão acreditar que os contratos serão mantidos? Dado o tamanho reduzido do mercado boliviano, será preciso exportar gás para aumentar a lucratividade. Mas como embarcar nisso quando está no governo um líder que derrubou um presidente porque havia assinado contrato de venda de gás para o Chile e para os EUA? Evo Morales contará, por certo, com o dinheiro de Hugo Chávez e, talvez, com recursos brasileiros. Chávez manda sem contestações e põe onde quer o dinheiro do petróleo. Mas Lula, especialmente em ano eleitoral, precisará criar condições políticas aqui para mandar a Petrobrás e o BNDES fazerem negócios de rentabilidade duvidosa na Bolívia. Mesmo que dê tudo certo para Morales, está na cara que há uma óbvia limitação: os governos venezuelano e brasileiro não estão propriamente nadando em dinheiro, nem seus países já estão prontinhos de modo a dispensar investimentos locais. Ou seja, Morales não disporá do capital necessário para gerar crescimento e, assim, terá quase nada para distribuir. Tudo culpa dos EUA, é claro, conforme outra tese clássica da esquerda. Em geral, é só discurso, mas Morales terá de tomar decisões práticas. Hoje, a Bolívia tem duas vantagens: recebe ajuda especial dos EUA, coisa de US$ 200 milhões ao ano, e tem preferência de entrada no mercado americano para diversos produtos. Os dois acordos precisam ser renegociados neste ano e dependem da manutenção do combate à produção de coca, o que Morales, líder cocalero, não pode topar. Assim, vai trocar a ajuda americana pela de Chávez, o mercado americano pelo sul-americano. É trocar o maior pelo menor, o que só faz sentido na ideologia. Resumo da ópera: um governo incapaz de estimular o crescimento, capaz de paralisar investimentos e instalar uma administração sem rumo. E, quando fracassar, culpa dos EUA. Agora, como é que essas teses sobrevivem? Basta olhar por aí. Há inúmeros exemplos de países que estatizaram suas riquezas naturais e continuam tão pobres quanto antes. Ricas, só as elites locais, os ditadores, os reis, os príncipes e os seus amigos. Contam-se nos dedos de uma mão os países que estão conseguindo aproveitar a riqueza do petróleo para diversificar e desenvolver suas economias – e todos com abertura ao mercado. Por que a esquerda latino-americana não consegue prestar atenção nos colegas chilenos? Sim, colegas, porque a esquerda chilena está no poder há quatro mandatos presidenciais e perto de emplacar o quinto. E atenção: a principal riqueza natural chilena, o cobre, que dá menos dinheiro que o petróleo e o gás, continua sob controle estatal, inclusive por razões políticas. Mas todo o sistema econômico é construído na base do mercado, dos capitais privados, da abertura no comércio externo, incluindo acordos de livre comércio com os EUA, a União Européia e países asiáticos. Até por isso consegue bons contratos para exploração e venda do seu cobre. E cresce de modo sustentado há muitos anos, com ganhos de renda para todos. Está logo ali, gente. Bem faz a Polícia Federal brasileira em redobrar cuidados na fronteira com a Bolívia. Está na cara que vai aumentar a produção de coca e, pois, o tráfico de cocaína. Ou alguém acredita que o governo Morales conseguirá estimular a produção de coca para o chá e, ao mesmo tempo, reprimir a coca do narcotráfico? O chanceler Celso Amorim diz que acredita e que vai tentar convencer o governo americano de que é possível essa abordagem de esquerda para o problema do tráfico. É acreditar que não exista globalização. Gente, o chá de coca é barato, só vende na Bolívia, e muito na Bolívia pobre. A cocaína é produto global, tem mercado rico pelo mundo afora. Só tem um modo de impedir que o cocaleiro venda seu produto para o narcotráfico: pagando mais. Outra conta para Hugo Chávez, não é mesmo? Morales pode, sim, acabar com a exportação legal de têxteis para os EUA, mas não com a exportação ilegal de cocaína, incluindo para o Brasil. Vão desmoralizar a esquerda outra vez. |
Entrevista:O Estado inteligente
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segunda-feira, janeiro 09, 2006
Por que não enxergam o Chile? por Carlos Alberto Sardenberg
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