Entrevista:O Estado inteligente

domingo, janeiro 08, 2006

Mercado se descolou da política, diz Fishlow

FOLHA

JANAÍNA LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

O ano passado foi marcante para o Brasil porque, pela primeira vez, o mercado financeiro separou a crise política do desempenho econômico do país. A opinião é do economista Albert Fishlow, professor da Universidade Columbia, nos Estados Unidos.
Brasilianista e ex-subsecretário de Estado para Assuntos Interamericanos dos Estados Unidos, ele concedeu entrevista à Folha para falar sobre as perspectivas para 2006.
"Talvez a economia tivesse crescido um pouco mais rápido [no ano passado], talvez 1%, se a taxa de juros tivesse começado a cair mais cedo. Mas o que está faltando ao Brasil para conseguir taxas altas e contínuas de crescimento é a combinação de outros fatores", afirmou Fishlow.
A seguir, trechos da entrevista.

Folha - O Brasil foi o país emergente que menos cresceu em 2005. Apesar disso, mercado e governo louvam o desempenho. Há sentido nisso?
Albert Fishlow -
O Brasil, apesar das altas taxas de juros reais e da seqüência de problemas políticos internos, conseguiu um crescimento, mesmo limitado, em 2005. No mesmo período, o país reduziu a taxa de inflação, estabeleceu recorde de exportações com superávit na conta corrente, continuou satisfazendo a meta fiscal e registrou um aumento de preços espetacular na Bolsa. Algo de grande importância aconteceu: a economia e a política se separaram. Talvez a economia tivesse crescido um pouco mais rápido, talvez 1%, se a taxa de juros tivesse começado a cair mais cedo. Mas o que está faltando ao Brasil para conseguir taxas altas e contínuas de crescimento é outra coisa: combinar investimentos da ordem de 25% do PIB, utilizando poupança interna, aproveitar a tecnologia avançada beneficiando-se de importações e formar uma força de trabalho melhor.

Folha - Qual é a importância de implementar, de verdade, uma política industrial para garantir o crescimento sustentável? Quais são os aspectos mais importantes nesse sentido?
Fishlow -
A política industrial sempre surge como método fácil e barato do governo para acelerar a taxa de crescimento, mas não é ela que explica a diferença [entre o Brasil e os demais emergentes]. Veja as taxas de poupança interna e de investimento altíssimas [de lá]. Há também o crescimento contínuo das exportações, especialmente das manufaturas; e a grande melhoria da formação educacional, eliminando analfabetismo de um lado e produzindo técnicos especializados de outro. Há sempre, na margem, espaço para uma política industrial, mas seguindo as regras do mercado, em vez de ignorá-las.

Folha - A Argentina, que enfrentou a banca internacional e impôs condições para renegociar sua dívida, não parece ter sofrido todas as maldições previstas pelos ortodoxos. Dá para compará-la com o Brasil, que cumpre a cartilha nos mínimos detalhes?
Fishlow -
O presidente Néstor Kirchner tem atuado em um papel popular contra os bancos estrangeiros e o FMI, enquanto Lula fez o contrário. A Argentina, desde o colapso de 2002, tem crescido rapidamente e recuperado o nível [econômico] que tinha no fim do século. Por outro lado, o investimento estrangeiro continua no Brasil, mas ainda é baixo na Argentina. Também há a taxa de inflação. A dos argentinos já tem dois dígitos e está aumentando. No Brasil deve ficar menor do que 5% [ao ano]. As diferenças começam a ter importância justamente nos aspectos que têm conseqüências para os mais pobres.

Folha - Quais são os maiores perigos para a economia brasileira em 2006: riscos internos ou de fora?
Fishlow -
Mesmo que o investimento em imóveis caia nos Estados Unidos, as previsões são de um crescimento [mundial] de 3,5% em 2006, quase igual ao do ano passado. Japão e Europa devem crescer mais rápido que em 2005. China, Índia e os outros países asiáticos continuam com taxas elevadas. Dentro desse contexto, Brasil deve beneficiar-se da continuidade das condições externas favoráveis. Caso contrário, a situação interna vai levar a despesas maiores do governo e a um nível de investimento menor. Se não houver problemas internos imprevistos, é possível crer em um crescimento da ordem de 3,7%.

Folha - Como a crise política interferiu na economia em 2005? E como ela foi percebida fora do país?
Fishlow -
No exterior, pelo menos nos Estados Unidos, havia um conhecimento limitado sobre o assunto. De vez em quando, saía um artigo nos grandes jornais. Do lado financeiro, não podemos ver conseqüência nenhuma da crise: os mercados produziram redução do risco Brasil, onde se registrou a maior apreciação da moeda [local] no mundo e aumento de reservas [em dólar].

Folha - Na sua opinião, Lula se reelege em 2006? E qual será a força do PT depois dos acontecimentos ocorridos em 2005?
Fishlow -
As sondagens prevêem uma reeleição mais difícil para Lula, mas ainda é cedo para saber o que acontecerá daqui a dez meses. Acompanharei os debates com grande interesse. A crise política tornou-se bem conhecida da população brasileira e está diretamente relacionada ao PT e aos políticos ligados ao governo. Uma coisa provável, seja Lula reeleito ou não, é a diminuição do PT dentro do Congresso. Essa visão pode se alterar ao longo do ano, mas duvido que isso ocorra. Poderia produzir uma contínua inação do Legislativo.

Folha - O BC brasileiro tem sido acusado de inflexível e o clamor pela queda dos juros parece estar ganhando força. Como o senhor vê a política de juros brasileira?
Fishlow -
Começo dizendo que eu era favorável a frear os juros mais cedo. Mesmo assim, enxergar o BC como a fonte de todos os males é exagero. O juro não explica tudo, nunca. Há sempre um conjunto de fatores a ser levado em conta. E por que poucos reconhecem que as previsões mais baixas da inflação futura se devem às ações do BC? Durante o ano, a inflação cairá, criando condições mais positivas para o crescimento da economia.

Folha - A crise política interferiu na imagem de agentes econômicos muito importantes para o mercado de capitais: bancos, corretoras de valores e fundos de pensão. Isso deve ter alguma conseqüência na atração de investidores estrangeiros? O Brasil deveria melhorar suas regras de mercado financeiro?
Fishlow -
Investidores estrangeiros foram pouco influenciados pela crise política. No mercado financeiro, conseguiram resultados muito positivos. Além da alta da Bolsa de Valores, houve a apreciação do real. Investimentos em fábricas e equipamentos também ofereceram boas possibilidades. Mesmo assim, continuam algumas dúvidas relacionadas às regras do jogo dentro de alguns setores importantes, como energia elétrica, telefonia e outras áreas da infra-estrutura.

Folha - A política econômica externa do Brasil praticada pelo governo Lula é bem-sucedida?
Fishlow -
A política econômica externa tem conseguido, até agora pelo menos, êxito parcial. Os países sul-americanos do lado oeste do continente estão todos tentando entrar na Alca, enquanto os do lado leste a rejeitaram. Na realidade, a Alca não existe mais como possibilidade. Os Estados Unidos terão novos tratados bilaterais com Peru, Colômbia, e talvez outros, e nada com Mercosul. Já o Mercosul continua, mas sem um futuro positivo garantido. A entrada da Venezuela poderia complicar a situação, em vez de melhorá-la. E ainda não saiu o pacto de livre comércio [do Mercosul] com a Europa. Nos próximos meses, vamos ver se há algum progresso.

Folha - O Brasil continua investindo pouco em inovação tecnológica. Qual será o custo disso para o país?
Fishlow -
O governo brasileiro investe uma quantia limitada, e menos ainda no campo da ciência e tecnologia. A solução não é simplesmente gasto maior, mas também melhor. É preciso visão de longo prazo na tecnologia, como também na área de educação, garantindo continuidade e independência. A conseqüência da falha é óbvia: progresso sustentado fica menos provável.

Folha - Qual é sua opinião sobre a atuação do BNDES? Nos EUA um banco público com essas características seria admissível?
Fishlow -
O BNDES é a maior fonte brasileira de recursos para investimento. Tem jogado num papel ativo e positivo, não só financiando empresas maiores mas também pesquisa na área econômica e projetos novos. Houve, infelizmente, episódios de maus gastos em várias ocasiões ao longo dos anos. A liderança [do banco] tem importância. Nos Estados Unidos, ao longo do século 20, houve sempre dependência de fontes de crédito privadas, em vez de públicas. Mas antes disso havia recursos do governo para investimentos iniciais em ferrovias e canais, alguns deles excelentes, outros péssimos. O problema é a necessidade de focar as metas sociais de uma maneira objetiva.


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