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terça-feira, janeiro 24, 2006

Brasil - O retrato da iniqüidade



Ribamar Oliveira
Valor Econômico
24/1/2006

De 1940 a 2003, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita brasileiro cresceu cinco vezes. No mesmo período, o valor real do salário mínimo caiu para menos de um terço daquele fixado por decreto, pela primeira vez, pelo presidente Getúlio Vargas. O gráfico abaixo, produzido pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), é o mais perfeito retrato da iniqüidade do crescimento econômico brasileiro nos últimos 60 anos.

O gráfico compara as trajetórias de crescimento do PIB per capita e do salário mínimo real e mostra que elas tiveram sentido inverso.

O PIB per capita é o valor de tudo o que se produz no país, num determinado ano, dividido pelo número de habitantes. Ele expressa, a grosso modo, a produtividade média do país por trabalhador. Em tese, o aumento anual do PIB per capita significa um aumento da renda dos trabalhadores e uma melhoria em suas condições de vida. Isso é o que dizem os livros-textos de economia.

O economista José Maurício Soares, do Dieese, observa que a realidade brasileira serve como exemplo de que o crescimento econômico é importante para a elevação real do salário mínimo, mas não é condição suficiente. De 1940 para cá, o PIB per capita cresceu, em média, 2,7% ao ano, mas esse aumento não foi transferido aos trabalhadores com salários mais baixo.

O salário mínimo foi instituído por Vargas no dia 1º de maio de 1940 para vigorar a partir de 1º de julho. O valor inicial do mínimo equivalia, a preços de março de 2004, segundo o Dieese, a R$ 828. De 1946 a 1951, o mínimo apresentou uma perda de poder aquisitivo, que foi recuperada durante a década de 50. O maior valor real do salário mínimo foi registrado em 1957: ele chegou a valer, segundo o Dieese, R$ 1.036 a preços de março deste ano.

 O mais baixo valor real do mínimo ocorreu em 1994, quando chegou a 24% daquele de 1940. A partir de maio de 1995, iniciou-se um movimento de recuperação que elevou o mínimo, em 2003, para 31% do seu valor real inicial. A depreciação do poder de compra do piso salarial, ao longo das últimas décadas, pode ser melhor percebida com exemplos práticos. Um estudo do Dieese mostra que, com um salário mínimo, o trabalhador comprava, em 1959, 85 quilos de carne ou 455 litros de leite. Em 2003, o trabalhador só comprava 29 quilos de carne ou 186 litros de leite com um salário mínimo.

 PIB per capita cresce e o mínimo cai 

Na semana passada, o relator do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2005, senador Garibaldi Alves (PMDB-RN), abriu mão de todas as mudanças que desejava fazer no texto original do governo para incluir na LDO o princípio de aumento real do salário mínimo de acordo com o crescimento do PIB per capita. A oposição votou contra porque acha pouco e várias centrais sindicais já manifestaram a oposição a esta regra, porque também acham pouco.

O Dieese considera, no entanto, que o princípio está correto. "É a tese que nós sempre defendemos", diz o economista José Maurício Soares. Se esta regra estivesse valendo desde 1940, Soares diz que o valor do piso salarial seria mais de cinco vezes o que é hoje. "O valor do salário mínimo do Brasil estaria entre os cinco maiores do mundo", observa.

A preocupação do governo é com o impacto dessa regra nas contas da Previdência Social. Um estudo realizado pelos assessores da Comissão Mista de Orçamento do Congresso mostrou que, se o salário mínimo tivesse aumento real igual ao crescimento do PIB per capita, o déficit do INSS em 2010 seria maior do que o estimado para 2004. A previsão do governo é de que este ano o déficit fique em 1,76% do PIB e caia nos anos seguintes, permanecendo abaixo do de 2004 até 2020.

Com a regra introduzida por Garibaldi Alves, a trajetória do déficit do INSS nos próximos anos ainda será de queda. As projeções apontam para déficit de 1,65% do PIB em 2005, 1,61% do PIB em 2006, 1,57% do PIB em 2007, 1,66% do PIB em 2008, 1,75% do PIB em 2009 e 1,78% do PIB em 2010. Esses números indicam que, para manter o déficit do INSS no patamar deste ano, o salário mínimo não teria mais aumento real a partir de 2010.

Os números mostram que a discussão sobre o aumento real do salário mínimo daqui para a frente precisa ser mais ampla. A sociedade terá que debater também as medidas que deverão ser adotadas para que o aumento real do mínimo não agrave o déficit do INSS. Esse debate aponta para uma nova reforma da Previdência. Desta vez, uma reforma do Regime Geral da Previdência Social, que é o regime dos trabalhadores da iniciativa privada.

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