Contradições: em março de 2002, a polícia encerra o caso, segura de que o adolescente LSN matou o prefeito, apesar de a reconstituição feita pelo rapaz ter sido contestada pelo legista DelMonte. ISTOÉ teve acesso ao informe do jovem a técnicos da Febem, feito em 2004. Ele diz que foi obrigado a assumir o crime. LSN fugiu depois de receber novas ameaças | |
Mudança de rumos Assassino confesso de Celso Daniel volta atrás, foge da Febem e laudo assegura que ex-prefeito não morreu como afirmou a polícia
Alan Rodrigues e Chico Silva
Na sexta-feira 20, o assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, completará quatro anos. As investigações, conduzidas por policiais do Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) de São Paulo e com o aval do deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh (PT), concluíram que o assassinato não passara de um crime banal. Cerca de dois meses depois o caso foi dado como encerrado, com a prisão de uma quadrilha de assaltantes e seqüestradores. A conclusão foi em grande parte baseada na confissão de um adolescente. LSN, à época com 16 anos, atestou para os delegados que fora o autor dos disparos que mataram o então prefeito. Documento obtido por ISTOÉ, datado de outubro de 2004, revela que tudo não passou de uma grande mentira. Produzido por funcionários da Febem do Tatuapé, onde LSN estava em regime de internação, o documento mostra que o jovem não foi o autor dos disparos que vitimaram Celso Daniel. No informe, ele confessa aos técnicos que foi obrigado por seus comparsas a assumir a autoria do crime. Se não o fizesse, ele e sua família poderiam ser mortos. Além disso, a reportagem descobriu que o "réu confesso" de um crime que até hoje abala o universo político fugiu há seis meses, após cumprir três anos de internação. "Ele contou que foi obrigado a assumir o crime porque era ameaçado de morte por um tal de José Edson", revela um dos funcionários, que não pode ser identificado. O tal José Edson foi o responsável pelo recrutamento do menor para a ação e também o proprietário do carro que transportou Celso Daniel do cativeiro até a estrada de terra onde seu corpo foi encontrado. "Acreditamos na ameaça de morte, porque é estranho alguém fugir faltando seis meses para acabar sua internação", diz o funcionário da Febem. É provável que se LSN não tivesse fugido poderia se tornar a oitava vítima de um crime ainda misterioso.
No mundo do crime, é comum adolescentes mentirem em depoimentos. Nesse caso, porém, a versão contada por LSN a funcionários da Febem parece mais factível. Um novo laudo produzido pelo Instituto Médico Legal (IML), assinado pelo legista Paulo Vasques, reafirma o que o legista Carlos DelMonte morreu falando aos delegados: que o menor não matara Daniel. DelMonte foi encontrado morto em circunstâncias misteriosas, sozinho em seu escritório, enquanto redigia o laudo agora concluído por Vasquez. No estudo que será apresentado pelo IML ao Ministério Público está comprovado tecnicamente que não seria possível que o rapaz tivesse matado o prefeito, pelo menos da forma como foi feita na reconstituição do crime. Além disso, mostrará que o prefeito foi de fato torturado antes de morrer.
Novos fatos: reaberto o caso, os promotores Amaro Thomé e Wider Filho, assim como a delegada Elisabeth Sato, seguem no mesmo rumo do legista DelMonte (à esq.) – um crime de mando |
Tentar resolver o mistério é a missão da
delegada Elisabeth Ferreira Sato, titular do
78ª DP paulistano e responsável pelas
novas investigações. Elisabeth, que trabalhou
no DHPP, entrou no caso a pedido da Secretaria
de Segurança Pública. Por ordens superiores,
a delegada não fala sobre a investigação. Mas
tem garantido a amigos próximos que não
medirá esforços e não poupará nenhum colega caso seus erros não tenham sido involuntariamente cometidos. Apesar do tamanho da encrenca e da limitação de pessoal, Elisabeth não recebeu um policial sequer a mais para desenvolver a investigação, e o trabalho segue para a fase final. E caminha na direção de apresentar uma conclusão diferente daquela produzida pelo DHPP. Hoje, há a convicção de que a morte do prefeito foi um crime encomendado e que a quadrilha responsável pela morte de Celso Daniel agia de forma compartimentada. Nessa modalidade de crime nem todos os participantes têm conhecimento dos objetivos e do modus operandi da ação.
Articulação – A tese de Elisabeth tem sustentação em uma declaração assinada por um dos presos, Aílton Feitosa. Ele teria testemunhado uma reunião na qual o chefe da operação, o assaltante de bancos Dionísio Aquino Severo, revelara os planos de seqüestrar o prefeito. Oito meses após o crime, ele confirmou aos promotores de Justiça da Comarca de Santo André: "Nem todos sabiam que se tratava de uma encenação encomendada pelo empresário Sérgio Gomes da Silva", relata Feitosa. Quem também trabalhava nessa linha de investigação era o delegado Maurício Correali. Um dos primeiros a investigar a ação dos bandidos, o delegado produziu as provas materiais sobre como foi feita a articulação entre os integrantes do grupo, sua liderança e os possíveis mandantes. Sendo que apenas o chefe sabia quem era e o que fazer com a vítima. Substituído pelos companheiros do DHPP, ele também não se pronuncia mais sobre o caso. Tudo indica, pelo desenrolar dos fatos, que, se existe sombra nessa história, ela começa a se dissipar.