Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 19, 2005

ZUENIR VENTURA A escolha de Sofia

O GLOBO

A escolha de Sofia



À parte o ato falho de se declarar candidato à reeleição para em seguida voltar atrás — não da disposição, mas da afirmação — Lula decidiu que, entre Antonio Palocci e Dilma Rousseff, ele fica com ambos. Pelo menos por enquanto. Ou, como explicou, não está do lado de nenhum dos dois, "mas sim do povo brasileiro". Num dia elogiou a ministra, no dia seguinte deu um voto de confiança ao ministro, reafirmando-o no cargo. Segundo o presidente, as divergências não o preocupam, porque são saudáveis e fazem parte da democracia, contanto que "não prejudiquem a totalidade e o conjunto do governo".

Como, no entanto, não se trata de briga entre pessoas por cisma ou pinimbas idiossincráticas, mas de choque entre duas concepções aparentemente incompatíveis, tudo indica que mais cedo ou mais tarde o presidente terá que tomar partido e fazer sua escolha de Sofia entre o que quer o detentor da pasta da Fazenda e o que pretende a chefe da Casa Civil como orientação econômica para o governo.

Graças à política implementada pelo ministro Palocci, Lula tem enchido o peito para anunciar o que são reconhecidos como maiores feitos de sua administração: equilíbrio das contas públicas, controle da inflação, responsabilidade fiscal, confiança do mercado, aplausos do mundo financeiro, aumento recorde das exportações, que ultrapassaram pela primeira vez US$ 100 bilhões, com superávit comercial de US$ 33 bilhões etc., etc.

Mas em função também dessa política, ele tem sido obrigado a ouvir críticas cada vez mais (im)pertinentes. A oposição de dentro e fora do governo questiona um modelo que, em nome da austeridade, restringe gastos públicos e investimentos em infra-estrutura, criando ou agravando a situação de um país onde não chegam os indicadores da expansão — um país meio abandonado em sua precariedade, em que o sistema de saúde pede socorro, assim como o ensino em crise, a segurança pública em estado de convulsão e as estradas com mais de 70% de suas pistas esburacadas.

Até parece aquele tempo distante em que um ditador dizia: "A economia vai bem, mas o povo vai mal."

Gente que entende do assunto acha que fora de Palocci — ou da política que ele defende — não há salvação. Por outro lado, a posição da ministra Dilma corresponde a uma crescente demanda da classe política por liberação de emendas, por mais gastos, mais investimentos, aumento de verbas para obras. Não sei não, mas neste ano eleitoral que já começou o coração de Lula vai balançar e ter que escolher entre o aperto fiscal e a pressão das urnas.


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