O GLOBO
Na próxima terça-feira o ministro Antonio Palocci voltará ao Congresso para duas sessões consecutivas. Vai à Comissão de Educação e depois à Comissão de Finanças e Tributação. Será uma maratona: sairá de uma para outra. Na própria terça-feira a CPI dos Bingos vai se reunir para decidir se o convoca para depor ou não. Os elogios de ontem do presidente Lula a ele não apagam os fatos. O ministro da Fazenda virou um estorvo para o presidente-candidato que prefere uma política econômica mais populista e mais fácil de apresentar nos palanques.
O presidente Lula disse que será candidato à reeleição. Usou a ênfase: "Sim, serei candidato." No momento seguinte, disse que não decidiu ainda e que tinha cometido um ato falho. O presidente disse que não viu o pronunciamento do ministro Palocci e, com descaso, afirmou que a avaliação "da imprensa" era de que ele tinha ido bem. Ontem falou que viu uma parte do pronunciamento. Para Lula, a interpretação da imprensa é "coisa maluca". Cada louco com sua mania!
Essas duas últimas semanas foram bem amalucadas, e não por qualquer confusão criada pela imprensa. O governo, cercado de crise, criou uma que não existia. O presidente Lula disse que o debate no governo é democrático. E é. Disse que do debate nasce a decisão. De fato. Mas o que houve não foi debate. Foi um início de fritura. O ministro da Fazenda está sendo fritado, a despeito dos elogios de ontem.
O ministro Antonio Palocci não se livra da CPI. Quem avisou isso a ele, depois de nove horas de depoimento no Senado, foi a senadora Ideli Salvatti, depois de uma sessão inteira em que os petistas deixaram claro que discordam do ministro da Fazenda. Na bancada governista tem mais gente a favor da ministra Dilma Rousseff do que do ministro Palocci. Isso ele ficou sabendo ao longo da sessão na CAE. Mas Palocci fez duas marcas no chão: avisou que fica no governo apenas se a política for essa e disse que o assunto sobre o qual Dilma diverge é da competência dele e continuará sendo.
O ministro terminou a semana melhor do que começou, mas graças unicamente ao seu próprio talento de reduzir a tensão da crise quando se dispõe a falar sobre ela, como fez na quarta-feira na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.
A política econômica que está em debate é a que se baseia na idéia de que manter superávits primários para reduzir a dívida pública, manter a inflação sob controle por meio das metas de inflação, deixar o Banco Central decidir sobre os juros, identificar reformas microeconômicas que melhorem a eficiência da economia é construir um horizonte para redução das despesas correntes que levem à redução da carga tributária.
Não há política econômica perfeita, e essa tem vários defeitos. Primeiro, os juros estão altos demais e o dólar caiu demais. Como mostrei aqui ontem, o real se valorizou a 40% diante do iene e do euro este ano. Foi a moeda que mais subiu frente ao dólar. A solução é os juros caírem mais rapidamente e o Banco Central aproveitar o momento e elevar as reservas cambiais. As reservas têm subido, os juros estão caindo muito devagar.
Há dois caminhos: primeiro, intervenção no Banco Central e determinação de que baixe os juros. Segundo, respeito à autonomia do Banco Central para que ele faça essa redução. O ministro Palocci tem seguido o segundo caminho. O primeiro provocaria o oposto do que se quer: a insegurança em relação ao país e à política econômica cresceria, elevando a taxa de juros futuros, neutralizando na prática a redução. Numa entrevista no fim de semana, o prefeito de São Paulo, José Serra, pré-candidato do PSDB, criticou a política de juros altos, como faz desde o governo tucano, mas admitiu que "não dá para fazer uma política irresponsável e fazer a redução brusca de uma hora para outra. É preciso sensatez e perícia".
O superávit primário é alto e o país tem tido necessidade de tudo. Precisa de investimentos e dinheiro para o custeio da máquina. Há a alternativa de aumentar as despesas acabando, a médio prazo, com o superávit primário. Isso aumentaria a dívida. Como a tendência seria iniciar uma trajetória de aumento, o mercado já começaria a rejeitar os títulos do Tesouro agora, ou exigiria juros mais altos. Se eles tiverem sido reduzidos bruscamente por determinação do presidente, ou de um novo ministro da Fazenda, ao Banco Central, a rejeição à dívida brasileira seria ainda maior. Sempre há, diante disso, a alternativa de "renegociação forçada" da dívida. Isso seria na prática um calote que, como qualquer pessoa sabe, atinge não apenas os banqueiros, mas todos os correntistas, todas as empresas, todos os poupadores, todas as seguradoras, todos os fundos de pensão. Enfim, quebraria a espinha dorsal da economia.
Não há política econômica perfeita, mas existem alternativas que são ainda mais imperfeitas. O que há de errado atualmente é que as despesas correntes têm aumentado muito. O superávit primário é usado como política temporária e tem de ocorrer pela redução das despesas e não pelo aumento da arrecadação. Há muita correção a fazer, mas não as correções imaginadas pelos que, dentro do governo, criticam a política econômica.
O presidente Lula precisará de uma transição para uma política mais favorável a quem estará procurando votos no ano que vem. Essa conversa aí em cima é árida demais para palanque. O ministro Palocci avisou esta semana a hierarquia das suas lealdades: fica se for para fazer essa política econômica. Lula fará sua escolha.
Entrevista:O Estado inteligente
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