Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 19, 2005

VEJA O presidente Lula é tentado a mudar a economia

A dupla solidão de Palocci

Lula nunca foi tão tentado a cair na
vereda do aventureirismo econômico,
mas tem resistido às pressões – sem
estender a mão a Palocci


Otavio Cabral


Dida Sampaio/AE
Lula com Dilma na quinta-feira passada: elogios fartos à ministra e referência sumária ao ministro Palocci

Às vésperas de completar três anos como ministro da Fazenda, Antonio Palocci nunca esteve tão só no governo – e a solidão se manteve mesmo depois de seu longo depoimento no Senado. Em primeiro lugar, Palocci está só diante das denúncias de corrupção de que tem sido alvo nas últimas semanas, pois não se ouve do Palácio do Planalto uma única voz a defendê-lo de modo inequívoco. Em segundo lugar, o ministro da Fazenda começa a sentir-se isolado no campo das idéias econômicas, sobretudo em razão da ambigüidade do comportamento público do presidente Lula. Nos últimos tempos, os ouvidos de Lula têm sido constantemente ocupados por conselheiros que lhe sugerem mudanças na condução da política econômica, em especial no que diz respeito à contenção dos gastos públicos. A ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, e o deputado Ricardo Berzoini, presidente do PT, têm sido os mais ativos defensores de mudanças. O abismo entre essa gente e Palocci se aprofundou de tal forma que, na semana passada, ele parecia muito mais um "ministro do Brasil" do que um funcionário do governo petista. Ele recebeu mais apoio da oposição e da sociedade do que de seus colegas de governo.

A proximidade de um ano eleitoral, no qual o PT enfrentará sua mais dura campanha devido à desmoralização ética provocada pelo mensalão, serve como atrativo adicional para Lula pensar em aumentar a gastança. Lula, claramente, está dividido. Entre tantas questões cujo funcionamento o presidente desconhece, as de natureza econômica são, em especial, uma caixa-preta para ele. Como era para Palocci antes de se tornar ministro. Nessas questões, os governantes dependem em muito maior grau da qualidade dos conselheiros que escutam. No caso de Berzoini e Dilma aconselhando Lula em temas econômicos, tem-se o clássico caso de um cego guiando outro. Berzoini tem formação secundária em economia. Dilma possui diploma de curso superior na matéria, mas suas convicções econômicas se cristalizaram naquele berço populista e nacionalista jurássico, o PDT gaúcho, que produziu acidentes políticos como Leonel Brizola. Palocci pode estar só. Com essa dupla a guiá-lo, Lula está perdido. Em resumo, a dupla de conselheiros anda sugerindo ao presidente menos rigor nos gastos públicos e um gesto dramático que sinalize a guinada. Não admitem, mas no fundo o que querem é um "supermensalão" que inunde os parlamentares aliados com dinheiro público de modo a comprar-lhes as simpatias na campanha de 2006.

Joel Cruz/ABR
Palocci: a habilidade de sempre


Felizmente, o presidente Lula não dá sinais inequívocos de que vá ceder a essas pressões. Apenas deixa claro que está ouvindo outro coro grego que não aquele que vem da Fazenda e do Banco Central. Na semana passada, os gestos e as palavras de Lula poderiam ser traduzidos por um posicionamento em que ele se mostra comprometido com a política econômica, mas não necessariamente com o atual ministro. VEJA ouviu dois ministros, um ex-ministro e dois parlamentares petistas com trânsito no gabinete presidencial. Todos afirmam que Lula tem dito que, mesmo sem Palocci, a política econômica não muda. "Ele está convencido de que o atual tripé, de metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário, é insubstituível", diz um ministro que despacha diariamente com o presidente. Lula diz ainda que ele próprio, e não o ministro, é a garantia da estabilidade econômica e, caso tenha de substituir Palocci, vai recorrer a alguém com o mesmo perfil. Sua primeira opção é o atual número 2 da Fazenda, Murilo Portugal. Se optar por alguém com peso político, Lula tem o nome do senador Aloizio Mercadante, que, nos bastidores, vem fazendo o que parece ser uma legítima defesa da manutenção de Palocci no governo.

A forma clássica de reduzir o isolamento do ministro da Fazenda é o presidente defendê-lo publicamente em um pronunciamento. Fernando Henrique Cardoso fez isso com Pedro Malan em momentos cruciais de ataques especulativos e fogo amigo contra seu ministro da Fazenda. Lula ainda não fez isso. Na manhã de quarta-feira, enquanto Palocci se preparava para falar aos senadores, Lula, em discurso a uma platéia de cientistas, defendeu a política econômica e não tocou no nome do ministro. Mais tarde, questionado por um assessor sobre o silêncio, saiu-se com uma metáfora eqüina: "Não posso montar em cavalo com a pata machucada. Não sei se ele vai precisar ser sacrificado". No dia seguinte, indagado sobre o depoimento de Palocci, Lula chegou a dizer que não o assistira mas soube que o ministro "foi bem" – e isso à saída de um encontro com produtores de biodiesel durante o qual fez elogios abertos à ministra Dilma. A ambigüidade pública de Lula pode soar como descompromisso com a política econômica, mas há um metódico cálculo político por trás. Lula não desautoriza publicamente a ministra Dilma porque sabe que ela tem o apoio do PT – e Lula quer o PT unido em apoio ao seu governo. "Um conflito aberto com Dilma poderia colocar Lula em rota de colisão com o partido. É tudo de que Lula não precisa", diz um senador petista.

"Penso diferente dela sobre equilíbrio fiscal. Mas essa é uma questão para a área econômica, e é assim que vai continuar."
Antonio Palocci, ministro da Fazenda

O depoimento de Palocci no Senado foi o show de habilidade de sempre. Em mais de dez horas, o ministro manteve seu tom cordial e respeitoso, dissolvendo focos de antipatia no plenário. Dessa vez contou também com a imensa boa vontade da audiência, em especial da oposição. Os líderes do PFL e do PSDB decidiram não fazer nenhuma pergunta sobre as denúncias de corrupção, deixando assim em aberto a possibilidade de convocar Palocci para depor em alguma CPI. Com isso, Palocci deu explicações iniciais sobre algumas denúncias, mas não se aprofundou. Voltou a negar a propina de 50.000 reais mensais quando era prefeito de Ribeirão Preto, conforme denúncia de seu ex-assessor Rogério Buratti. "Não houve mensalão, mensalinho e caixa dois em Ribeirão Preto. Aquela acusação é falsa e não será comprovada." Mas ninguém lhe perguntou sobre o fato de que a empresa acusada de pagar a propina, a Leão&Leão, comprovadamente recebia pagamentos superfaturados da prefeitura de Palocci e, nos seus computadores apreendidos, há saques de 50.000 reais destinados para um tal "dr.".

Palocci também negou a acusação de que se envolveu na captação de 1 milhão de reais por bingueiros angolanos para o caixa dois de Lula. "Na campanha do presidente Lula, eu não fui tesoureiro", disse. Em seguida, garantiu que a campanha não recebeu recursos do exterior. "Não houve recursos de Cuba, não houve recursos de Angola, não houve recursos das Farc. Afirmo isso com segurança porque participei integralmente da campanha." Se os senadores estivessem dispostos a tratar do assunto, o depoimento não seria encerrado sem o esclarecimento de uma aparente contradição: ou Palocci não se envolvia com tesouraria ou se envolvia com tudo.

A tática do silêncio, decidida em conjunto pelos líderes do PSDB e do PFL, mostrou-se eficaz para manter Palocci sangrando em público por mais tempo, mas revelou o caráter desbragadamente oportunista de tucanos e pefelistas. A decisão indicou que, na realidade, a oposição não anda interessada em esclarecer as suspeitas, clarear zonas obscuras, obter respostas esclarecedoras. Nada disso. Seu negócio é fazer politicagem, de olho apenas em suas próprias arquiteturas eleitorais. Eis o que diz um líder tucano: "Se Palocci cair, teremos obrigatoriamente de ir para cima de Lula. E não há apoio popular nem para discutir o impeachment do presidente". Com o mais importante ministro do governo acossado por denúncias de corrupção, um país apreensivo sobre os rumos econômicos, um presidente que envia sinais ambíguos em público – e, para completar, uma oposição que só enxerga o próprio umbigo –, pode-se apostar que nem a crise nem o governo acabam tão cedo. É justamente o que quer a oposição.

Com reportagem de Julia Duailibi, de Brasília

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