Laudo comprova que o partido entrou
com ação no Conselho de Ética usando
uma assinatura fraudada de Tarso Genro
Policarpo Junior
O Conselho de Ética vai investigar um caso inédito de falta de ética, ocorrido numa petição que exigia, claro, respeito à ética. O caso é o seguinte: no início do mês passado, o deputado Onyx Lorenzoni, do PFL gaúcho, acusou o ex-ministro José Dirceu de omitir um empréstimo de 14.000 reais em suas declarações de renda. No dia 14 de outubro, em defesa do ex-ministro, a direção do PT entrou com uma representação contra o pefelista no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, acusando-o de ferir o decoro parlamentar. Para o PT, além de não provar a denúncia, Lorenzoni divulgara dados protegidos pelo sigilo bancário e fiscal, o que justificaria a cassação de seu mandato. O Conselho de Ética, porém, acaba de ser surpreendido com uma informação: a representação do PT aparece assinada pelo então presidente do partido, o ex-ministro Tarso Genro, só que o ex-ministro não assinou o documento. Ou seja: sua assinatura foi falsificada, segundo atestam as 63 páginas de um laudo pericial elaborado pelo Instituto Del Picchia, em São Paulo.
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O laudo grafotécnico foi solicitado por VEJA ao perito Celso Del Picchia, o mesmo que, recentemente, revelou a autenticidade da assinatura do então presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, num documento que o parlamentar negava ter assinado. A mentira custou-lhe o mandato. Na representação do PT, Del Picchia encontrou disparidades gritantes entre a assinatura falsa e a assinatura verdadeira de Tarso Genro. A falsa foi comparada com cinco modelos verdadeiros, extraídos de documentos oficiais. O modelo mais antigo é de junho de 2001, quando Genro era prefeito de Porto Alegre. O mais recente é de 29 de julho passado, assinado por Genro quando era ministro da Educação. Com isso, o perito atestou que a assinatura na representação do PT não foi feita pela mesma pessoa. Atestou mais: que até as três rubricas apostas ao documento foram falsificadas. Ou seja: Genro não é o signatário do documento que pede a cassação de Lorenzoni. "Não há dúvida de que a assinatura da representação é falsa", atesta Del Picchia, que, na página 32 do laudo, afirma, em linguagem mais técnica, que o trabalho o autoriza a "decretar sem ressalvas a inautenticidade dos sinais gráficos apostos à petição em tela".
Marcelo Sant'Anna/Estado de Minas/AE |
Lorenzoni: "Agora entendo por que a peça é tão malfeita" |
Ao ser informado sobre o resultado do exame, o presidente do Conselho de Ética, deputado Ricardo Izar, ficou espantado, classificou o caso como "gravíssimo" e já disse que vai notificar o PT para que confirme – ou não – a autenticidade da assinatura. É uma situação embaraçosa. Se o PT admitir que a assinatura não foi feita por Tarso Genro, estará confessando o crime de falsidade ideológica, que pode render até três anos de prisão para o fraudador. Nesse caso, será preciso abrir uma investigação para saber quem, dentro das fileiras petistas, anda fraudando assinatura de dirigentes partidários em documentos públicos da legenda. Procurado na semana passada, o ex-ministro Tarso Genro não quis falar sobre o assunto, mas, por intermédio de sua secretária, mandou dizer que "assinou a representação e enviou-a à bancada". VEJA então lhe encaminhou por fax uma cópia da representação protocolada no Conselho de Ética e atestada como falsa pela perícia. De novo, Tarso não quis se manifestar e pediu que sua secretária informasse à revista que o documento remetido por fax fora assinado por ele, sim.
Valter Campanato/ABR |
Dirceu: sem indício de que ele ou sua turma tenham dedo na fraude |
Cria-se, portanto, um quadro esdrúxulo no qual a palavra de Genro será confrontada com sua assinatura. Pelas normas do direito brasileiro, o documento tem mais valor que a palavra. Consultado por VEJA em termos hipotéticos, sem ser informado dos nomes reais envolvidos, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, deu uma informação técnica: "Sob o ângulo formal, o laudo prevalece". Isso significa que Genro pode dizer o que quiser, mas, se a prova material oficial não lhe der o devido respaldo, estará caracterizada a falta com a verdade – e, de quebra, a suspeita de que se envolveu diretamente na fraude, ficando assim também sujeito à pena de três anos de prisão. "No aspecto criminal, concluindo-se tecnicamente que a assinatura não é do suposto autor, pode-se vislumbrar crime de falsidade ideológica", acrescentou o ministro do STF. Se, por hipótese, Genro tivesse admitido que, impossibilitado por alguma razão de assinar a representação, pedira a alguém para que o fizesse em seu lugar, ainda assim se configuraria crime. No plano jurídico, não existe absolvição para uma suposta "falsidade consentida".
A representação do PT foi protocolada no Conselho de Ética pelo deputado Wasny de Roure, do PT do Distrito Federal. A tarefa foi cumprida às pressas. O deputado conta que estava aguardando uma audiência no prédio do Ministério do Planejamento quando, de repente, recebeu um telefonema da liderança do PT na Câmara pedindo que se deslocasse imediatamente até o protocolo do Conselho de Ética. Sem esperar pela audiência, Wasny de Roure, percebendo que se tratava de um caso de urgência, simplesmente fez o que lhe pediram. "Nem sabia direito o que era", diz ele. "Apenas cumpri uma missão partidária." Quem disparou o telefonema afobado para o deputado foi um antigo funcionário da liderança petista, Athos Pereira, que se recusou a falar com VEJA. "Agora entendo por que a peça é juridicamente tão malfeita", alfineta o deputado Onyx Lorenzoni, ao lembrar que, além de um político correto, Tarso Genro é um advogado respeitado e experiente. Lorenzoni, com suas acusações fiscais, bateu de frente contra o deputado José Dirceu. Mas não há indício de que José Dirceu esteja envolvido nessa fraude.