Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 19, 2005

VEJA O Futuro Chegou, de Maílson da Nóbrega


Livro de Maílson da Nóbrega mostra que
o Brasil tem hoje condições privilegiadas
de superar obstáculos ao desenvolvimento


Lucila Soares

 

Montagem sobre fotos de Celso Junior/AE, Alan Marques/Folha Imagem, Ed Ferreira/AE, Heudes Regis, Haroldo de Faria/kino.com.br
REVOLUÇÃO EM DOIS TEMPOS
Consolidação da democracia e modernização na economia: o Brasil deixa para trás a imagem de país do futuro


A história do mundo é pontuada por extraordinários feitos e heróis, numa divisão que tem por função estabelecer grandes ciclos e marcar as inflexões mais importantes na vida de uma civilização, de um país ou de toda a humanidade. Essa narrativa tem também um papel na construção da identidade dos povos. Existe, no entanto, outra maneira de relatar a grande aventura humana. Ela é composta de atos e fatos menos estridentes mas que, paradoxalmente, quebram a ordem existente de tal maneira que se torna impossível retroceder a um estágio anterior. É esse o recorte que o economista e consultor Maílson da Nóbrega escolheu para contar a história dos últimos 25 anos no Brasil e defender um ponto de vista ousado. Em meio à maior crise política da história da República, o ex-ministro da Fazenda subverte o mote "Brasil, país do futuro", título do clássico de Stefan Zweig, para afirmar que O Futuro Chegou (Editora Globo, 400 páginas, 45 reais).

O ponto central da obra, que chega às livrarias nesta semana, é a constatação de que, a partir da década de 80 do século passado, houve uma silenciosa revolução institucional no Brasil. Ela teve início junto com as campanhas políticas pela redemocratização do país e, até por isso, ficou em segundo plano no interesse das pessoas. Mas essa revolução teve o papel de mudar uma lógica perversa de funcionamento do Estado brasileiro que resistira intacta desde o descobrimento. Por essa lógica, herdada de Portugal, o Estado foi, por quase cinco séculos, o protagonista de todas as ações destinadas a desenvolver o país. Como tinham essa nobre missão, os dirigentes da nação também detinham poderes imperiais. Emitia-se dinheiro sem nenhum controle, autorizavam-se despesas sem critério algum, subsidiava-se a ineficiência sem nenhum pudor. A conta? Ora, para que serve o cidadão, o contribuinte? Para pagar a conta na forma de impostos, confiscos e inflação.

 

Orlando Brito
TRÊS SÉCULOS DE DEFASAGEM
Reunião do Conselho Monetário Nacional no governo Sarney: até os anos 80, o governo fazia o que queria na economia

Para se ter uma idéia do tamanho do atraso que tais práticas significavam, basta lembrar que os ingleses fizeram em 1688 as mudanças que ficaram conhecidas como Revolução Gloriosa e significaram, em resumo, a perda do poder absoluto do rei de criar dívidas e impostos, atribuição que foi transferida ao Parlamento. Junto com a Revolução Francesa, que lançou as bases do direito individual com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a Revolução Gloriosa é considerada o marco fundador do capitalismo, pelo impulso que deu à livre iniciativa. O movimento brasileiro na mesma direção veio com atraso de séculos. Mas foi feito. Constou de um conjunto de mudanças na política monetária e fiscal cuja formulação e implantação foram objeto de uma guerra nos bastidores do governo – o que é facilmente compreensível considerando-se os privilégios que o atraso institucional proporcionava. Um dos exemplos mais eloqüentes é a chamada "conta de movimento", extinta em 1986. Era uma arapuca financeira. Funcionava como uma conta-corrente que o Banco Central mantinha no Banco do Brasil. Essa conta permitia ao BB financiar-se sempre que ficava no vermelho. Assim, era possível conceder empréstimos aos amigos do poder sem exigir garantia, porque o custo de uma eventual inadimplência seria bancado pelo BC – leia-se por nós. Outro descalabro era a quantidade de atribuições do Conselho Monetário Nacional (CMN). O órgão chegou a ter 725 funções, quase todas de gasto, o que permitia ao ministro da Fazenda atropelar solenemente (e dentro da lei) o orçamento monetário do país. Hoje o papel do CMN é basicamente controlar gastos. São mudanças que, aliadas à redemocratização, à abertura da economia a partir de 1990 e à vitória sobre a inflação a partir de 1994, com o Plano Real, resultaram num país de instituições sólidas, tanto na política quanto na economia, e pronto para entrar num longo ciclo de crescimento sustentado.

A principal referência do autor é a Nova Teoria Institucional consagrada por Douglass North, Prêmio Nobel de Economia de 1993. Resumidamente, trata-se da linha teórica que acredita ser o grau de amadurecimento das instituições de uma nação – entendidas como as regras do jogo que ali vigoram e, evidentemente, a tradição em respeitá-las – o principal impulsionador ou entrave a seu desenvolvimento. A narrativa feita a partir dessa ótica é das mais interessantes, exatamente porque revela o papel fundamental de conter o poder de gasto e de endividamento dos governos.

No caso de O Futuro Chegou, a essa escolha se soma a decisão do autor de subsidiar sua tese com um amplo pano de fundo da história econômica mundial e brasileira, dando um tom arejado de crônica ao que poderia muito facilmente ser um tratado aborrecido. O livro começa pelo nascimento do mercado como uma instituição mais antiga que Matusalém, passa pelos primórdios do capitalismo, pelas grandes navegações, narra a colonização das Américas e vai pavimentando assim o caminho para explicar o atraso institucional da América Latina e do Brasil.

Ao longo dessa história, destaca as mudanças de rumo e de ritmo no progresso mundial proporcionadas pela popularização de objetos do cotidiano, como o relógio mecânico. Maílson lembra que na Idade Média a Igreja era a única instituição que dominava o conhecimento necessário para construir o mecanismo que faz esse tipo de relógio funcionar. A partir do século XIV, a quebra desse monopólio do saber difundiu o relógio e introduziu uma nova noção do tempo na atividade humana. Em outro trecho, mergulha-se na Grande Depressão de 1929 para compreender como o New Deal, que pregava o aumento da presença do Estado na economia para minimizar as conseqüências do desastre econômico, virou panacéia universal e alimentou por décadas a demagogia nacional-desenvolvimentista que custou a morrer no Brasil. Outra passagem, assustadoramente atual, recupera um sermão do padre Antônio Vieira feito em 1665, em Lisboa, para mostrar como é antiga a corrupção no Brasil. "Perde-se o Brasil porque alguns ministros de Sua Majestade não vêm cá buscar nosso bem. Vêm cá buscar nossos bens", disse Vieira.

Aos 63 anos, o paraibano Maílson da Nóbrega narra essa história com as cores vivas de observador privilegiado e participante de um importante momento de transição. Como funcionário de carreira do Banco do Brasil, acompanhou as crises que resultaram no colapso do modelo nacional-desenvolvimentista. Como secretário-geral do Ministério da Fazenda, liderou os estudos que identificaram o atraso institucional dos regimes fiscal e monetário e apresentaram sugestões de mudança. Como ministro da Fazenda do final do governo Sarney, segurou o tranco de uma inflação superior a 80% ao mês. Na iniciativa privada, à frente da consultoria Tendências, tornou-se um respeitado analista econômico. O Futuro Chegou, um projeto acalentado no decorrer de 21 anos, foi escrito em sete semanas, depois de um período como pesquisador visitante da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Não é (nem pretende ser) uma obra acadêmica. É um ensaio – de fôlego – que sustenta um ponto de vista que se pode considerar excessivamente otimista, mas ao qual não se pode negar o mérito da boa fundamentação.

É verdade que, sob o impacto das denúncias de mensalão e afins, da desfaçatez com que se admite o uso de caixa dois nas campanhas eleitorais e dos expedientes que permitem aos envolvidos em grandes escândalos se safar de qualquer punição, fica difícil perceber quanto já se avançou. É verdade também que é preciso avançar mais. O Brasil continua padecendo de falta de credibilidade em aspectos-chave, como a segurança em relação aos contratos, e carrega a pesada herança dos equívocos que foram incorporados à Constituição de 1988 (veja quadro abaixo). Mas no decorrer dos últimos vinte anos o país domou a inflação, integrou-se à economia mundial, aprovou uma lei de responsabilidade fiscal e ainda conseguiu completar a transição democrática, com quatro eleições diretas para presidente e um impeachment, sem que se cogitasse de rupturas institucionais. É pouco para chamar isso de futuro? Talvez. Mas basta um pouco de distanciamento histórico para perceber que o avanço é extraordinário. O noticiário da semana passada foi dominado pela briga pública travada entre dois ministros, Antonio Palocci, da Fazenda, e Dilma Rousseff, da Casa Civil. Ele, ex-trotskista. Ela, ex-guerrilheira da VAR-Palmares. O motivo da briga: divergência sobre quão rigoroso deve ser o controle dos gastos públicos. Maílson tem razão, o futuro chegou.

 

No passado, trevas na Constituinte

Claudio Versiani
A FESTA DA CONSTITUIÇÃO
Encerramento dos trabalhos da Constituinte de 1988: avanço democrático, atraso econômico

A imagem do encerramento dos trabalhos da "Constituição cidadã", em julho de 1988, entrou para a história do Brasil como uma vitória da democracia. E foi. Para as finanças públicas, entretanto, a Constituição foi um desastre. Em O Futuro Chegou, Maílson da Nóbrega relata as articulações para evitar que equívocos ainda mais graves fossem incorporados ao texto final. Como secretário-geral do Ministério da Fazenda, o economista participou, a convite do então deputado José Serra, o principal relator das matérias econômicas, de uma comissão informal de especialistas do governo para auxiliá-lo no exame dos relatórios das subcomissões. Os maiores descalabros, na visão desses especialistas que se reuniam à noite na casa de Serra, estavam na Subcomissão do Sistema Financeiro. Correções foram feitas, mas o tabelamento dos juros em 12% acabou aprovado em plenário. Por absurda e inaplicável, a decisão foi inócua. Sua regulamentação em lei nunca foi feita.

Outra grande preocupação era a partilha da arrecadação. Até 1974, estados e municípios recebiam 10% da arrecadação do imposto de renda (IR) e do imposto sobre produtos industrializados (IPI). A participação foi aumentando e chegou a 33% em 1986. Um ano depois, os constituintes propunham a elevação desse porcentual para 44% no IR e 54% no IPI, sem alteração na divisão das responsabilidades. Em reunião no prédio do Ministério da Fazenda, o relator da Constituinte, Bernardo Cabral, então deputado pelo Amazonas, aceitou fazer mudanças para evitar o total desequilíbrio das contas públicas. Disse que só não poderia mudar dois ou três pontos, entre eles o que garantia 25 anos de isenção fiscal para a Zona Franca de Manaus. A alegria durou pouco. Lembra Maílson: "O deputado esqueceu todas as sugestões que duramente havíamos preparado nas noites e nos fins de semana de Brasília".

Sem dúvida, teria sido melhor para o país se o bom senso nos assuntos econômicos tivesse prevalecido sobre a boa intenção de alguns e o oportunismo de outros. Mas, felizmente, nos anos seguintes, várias distorções foram eliminadas. Chegam a quarenta as emendas constitucionais, entre elas a que acabou com monopólios estatais, permitindo privatizações e investimentos privados em telecomunicações, energia elétrica e petróleo, e a que fez a reforma da Previdência.


Trecho do livro O Futuro Chegou,
de Maílson da Nóbrega
(Editora Globo)

Rumo à verdadeira reforma - trabalho e resistências

Os grupos de trabalho (gts) reuniram mais de 150 técnicos dos órgãos envolvidos, além de especialistas dos ministérios da Agricultura e da Indústria e Comércio. Raymundo Moreira foi escolhido o coordenador dos gts e organizador da pauta geral dos trabalhos. Muitos desses técnicos viriam mais tarde a ocupar cargos de destaque na administração pública federal. Tornaram-se chefes de departamento, diretores, superintendentes etc. A futura Secretaria do Tesouro Nacional seria em grande parte constituída com a participação deles em posições importantes. Três desses técnicos - eu, João Batista de Abreu e Pedro Parente - galgaram o cargo de ministro de Estado, respectivamente Fazenda, Planejamento e Casa Civil (Parente foi também ministro do Planejamento), e um seria presidente do Banco Central e do Banco do Brasil (Paulo César Ximenes). Era, de fato, um grupo de elevado nível e de grande experiência no setor público federal.

A tarefa que nos cabia era complexa e o tempo era curto. Já estávamos em setembro e era nosso desejo viabilizar a aprovação das principais medidas até o final do ano, pelo menos daquelas que não exigissem mudança legislativa. Era o caso do fim da conta de movimento e da extinção das funções de fomento do Banco Central. Era conveniente que o novo presidente da República - que a essa altura parecia ser o então governador de Minas Gerais, Tancredo Neves - tomasse posse com um arranjo institucional nas finanças públicas que lhe protegesse das naturais pressões políticas.

Organizei um comitê supervisor composto por mim e por alguns dos membros da equipe - Raymundo Moreira, Paulo César Ximenes, Pedro Parente, Antônio de Azevedo Bomfim, Luiz Fernando Wellish e Luís Inácio Danziato. Reuníamo-nos pelo menos uma vez por semana para avaliar o andamento dos trabalhos, dirimir dúvidas e fornecer orientação aos grupos. Uma vez por mês, eu almoçava com o presidente do bb. Ambos éramos funcionários do banco e estávamos imbuídos do propósito de deixar aos nossos sucessores um quadro institucional que viabilizasse a melhor transição para um novo bb.

Descobrimos que a Secretaria da Receita Federal arrecadava apenas de 45% a 50% das receitas do governo federal. O restante era arrecadado por uma multiplicidade de agências governamentais que recolhiam taxas e assemelhados. Já sabíamos que cerca da metade dos gastos federais não passava pelo Orçamento da União. Para subsidiar nossos estudos, enviamos um grupo daqueles técnicos para uma viagem de estudo a Washington, onde viram o funcionamento do Tesouro e do Federal Reserve Bank (o banco central norte-americano) e como esses órgãos se relacionavam operacionalmente. Examinaram também como funcionava o meio circulante comandado pelo Federal Reserve e como este se relacionava com os bancos, incluindo redescontos e operações de mercado aberto.

Durante algumas semanas, recebemos três especialistas estrangeiros, membros de uma missão de assistência técnica do Fundo Monetário Internacional.

Na despedida da missão, ofereci um almoço aos seus integrantes no Ministério da Fazenda. Um deles, ex-funcionário do Tesouro britânico, havia participado de uma grande reformulação administrativa na sua organização. Falou maravilhas do nosso projeto, disse que estávamos fazendo história e por aí afora, mas notara a ausência de uma estratégia de marketing. "Que marketing?", perguntei. Sir Kenneth (não me lembro de seu segundo nome) não hesitou: "O marketing da idéia. Vocês estão convencidos porque trabalham há mais de dois anos nesse projeto, mas a opinião pública precisa ser informada e entender. Sem apoio dela, vocês podem ser vencidos pelas resistências à mudança". Achei um exagero.

Já em outubro, todavia, apareceram as primeiras manifestações contra o projeto. A área de fomento do bc fez críticas abertas à idéia de sua extinção (naturalmente). As críticas se avolumaram e havia a insinuação de que eu, como funcionário do BB, estaria puxando a brasa para a minha sardinha.

O presidente do bc, Affonso Celso Pastore, um sujeito decidido, reuniu todos os chefes de departamento e funcionários graduados do BC para dizer enfaticamente que eu estava autorizado pelo cmn, seguia diretrizes aprovadas pelos dois ministros e que ele concordava com as idéias da comissão.

A bola baixou muito pelos lados do bc.

O tema começou a freqüentar diariamente a imprensa. Falava-se em "reforma bancária". Nossa idéia de introduzir o conceito de "reordenamento das finanças públicas" não pegou. O sindicato dos bancários de Brasília, controlado por funcionários do BB, iniciou uma campanha contra os trabalhos, que diziam atender apenas aos interesses dos bancos privados, do Banco Mundial e do fmi. Uma matéria da revista inglesa The Banker dizia que a reforma ampliaria o campo para a atuação dos bancos privados nacionais e estrangeiros. O recorte foi usado por um dos diretores do bb para mostrar o que lhe parecia uma prova dos interesses por trás das mudanças.

Em novembro, na reta final, o ambiente esquentou. O combate às idéias invadiu o campo da difamação e do achincalhe. O sindicato editava um boletim exclusivo para os funcionários do bb, o Cebolão,81 cujos editoriais continham críticas e acusações severas contra mim, às vezes com uso de expressões de baixo calão. Nesse clima, fui convidado a dar explicações na Câmara, à qual compareci no dia 20 munido de informações e convencido das nossas teses.

O autor do convite, o deputado Élquisson Soares (pmdb-ba), não estava interessado em minhas informações, mas em fazer um discurso veemente contra o projeto. No final, soltou a frase que ecoaria em todos os cantos do bb, por vários anos. Afirmou que eu estava a serviço da destruição do banco e de outros interesses. E concluiu teatralmente: "Vossa Senhoria é o inimigo público número um do Banco do Brasil". Minha boa-fé e a inexperiência nesse tipo de debate se confrontaram contra a demagogia de um parlamentar esperto, que mirava os votos de milhares de funcionários, familiares e clientes de empréstimos do bb da Bahia. Era difícil ganhar.

O bb pegou fogo. Já não era mais obra do sindicato dos bancários de Brasília. Frentes de resistência se formaram em outros estados. O Cebolão aumentou as críticas e a tiragem. Em entrevista ao Correio Braziliense (22/11/1984), Celso Furtado tachou a reforma de "totalmente inoportuna". Os jornais do mesmo dia mostraram que eu não havia sido poupado por ninguém nas quatro horas de depoimento na Câmara. Nos momentos imediatamente anteriores à apresentação do relatório ao cmn, o presidente do banco não resistiu às pressões internas e deu uma entrevista coletiva, na qual pediu que a reforma fosse enviada ao Congresso. Manifestou o temor de que a agricultura - que dependia do BB para se financiar - entrasse em colapso com as novas medidas. Cheguei a sugerir uma reação enérgica do ministro Galvêas, mas ele entendeu a situação de Colin e nada fez.

No governo, o apoio era escasso. O ministro da Agricultura, Nestor Jost, ex-presidente do bb, manifestou dúvidas sobre a reforma. O líder do governo na Câmara, deputado Nelson Marchesan, também funcionário do bb, saiu de uma audiência com o presidente Figueiredo e afirmou aos jornalistas que S. Exa. não conhecia nem apoiava o projeto (o que não era verdade, pois Figueiredo havia sido informado sobre o andamento dos trabalhos). O presidente do Tribunal de Contas da União, Mário Pacini, também egresso dos quadros do bb, condenou publicamente o projeto e depois se vangloriou de ter sido um dos líderes da conspiração que convenceu Figueiredo, de quem era amigo, a não apoiar a reforma.

A grande imprensa, os principais colunistas e os repórteres de economia mais experientes estavam do nosso lado. O Estado de S. Paulo dedicou um editorial à reforma em 16/10/1983. Assinalava as dificuldades que estávamos enfrentando e apoiava as idéias básicas do projeto, principalmente a construção de um novo Banco Central. "Com a efetivação da reforma, o Banco Central poderá exercer plenamente seu papel de guardião do valor da moeda nacional, mas, por outro lado, perderá a faculdade de emitir à vontade títulos da dívida pública." Sustentou, ao final, que "muitos poderes estão em jogo nessa reforma, que visa a disciplinar a conduta da política monetária. Só um governo em fim de mandato pode ter a coragem de executá-la".

Logo depois de comparecer à Câmara fiz uma apresentação sobre os nossos trabalhos no Congresso Nacional dos Bancos em Salvador. A recepção variou entre compreensão e indiferença. Os banqueiros não queriam comprar brigas com os sindicatos e com as figuras que integrariam o novo governo, como Celso Furtado. O presidente do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, José Hugo Castello Branco, que depois seria chefe da Casa Civil e ministro da Indústria e Comércio do governo Sarney, apoiou as idéias, mas duvidou de sua oportunidade.

Entre nós, a reação contra o projeto (como eu me lembrava daquele inglês nesses momentos!) nos convencia de que a resistência forte e difusa justificava sua aprovação no governo Figueiredo. Tancredo Neves, o futuro presidente, passou a ser informado do andamento dos trabalhos pelo seu sobrinho Francisco Dornelles, que era membro da comissão e seria o ministro da Fazenda do novo governo. Ambos queriam que o projeto passasse já, poupando-lhes o ônus político da mudança. O ministro Galvêas se dava bem com Tancredo, de quem havia sido assessor quando ele exercera o cargo de primeiro-ministro. Expôs as idéias da reforma ao futuro presidente em mais de uma oportunidade.


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