Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 19, 2005

VEJA Claudio de Moura Castro Os chineses leram Marx


"Vamos todos ler Marx, pois ele
sugere um conserto para nossa
combalida
universidade pública"

O assunto do ensino pago é controvérsia velha e bolorenta. De fato, é mais velha do que parece. Vejam o que disse um grande filósofo-economista do século XIX: "Educação gratuita (...). O fato de que em muitos Estados sejam 'gratuitos' também os centros de ensino superior significa tão-somente que ali as classes altas pagam suas despesas de educação com fundos dos impostos gerais".

O detalhe valioso é que o economista citado se chama Karl Marx (Crítica ao Programa de Gotha). Como é possível que a esquerda brasileira, agora no poder e tão assídua em suas idéias, tenha ignorado justamente esta (data venia, o senador Suplicy, responsável pela exumação do trecho)?

Dados disponíveis mostram que desde os tempos de Marx os ricos continuam predominando na universidade pública. No Brasil, segundo o Ministério da Fazenda, os 20% mais ricos da população capturam 74% das vagas. Ou seja, os impostos pagos por todos financiam a educação dos mais ricos (custando, por aluno, dez vezes mais do que a educação básica). É a chamada regressividade dos gastos públicos.

Ilustração Ale Setti


Os europeus, tradicionalmente, não cobram ou cobram pouco dos seus alunos universitários. Mas são muito mais ricos, têm uma população universitária estável e oferecem múltiplas opções ao ensino tradicional de quatro ou cinco anos (mais da metade escolhe alternativas curtas). Mesmo assim, sem encontrar outras fontes de financiamento, o dinheiro não está dando para manter universidades ao nível das americanas. De fato, 400.000 pesquisadores europeus já fizeram as malas e foram para os Estados Unidos (The Economist). Diante disso, os europeus estão mudando de idéia sobre a cobrança aos alunos. Na Inglaterra, com as universidades mais bem-sucedidas da Europa, o pagamento já vem de mais tempo. Os alemães revogaram a lei que não permitia cobrar. A França reluta.

Nos Estados Unidos, onde estão localizadas dezessete das vinte melhores universidades do globo, todas as públicas (exceto as militares) cobram dos alunos. Mas raramente cobram os custos integrais, além de terem mecanismos de bolsas e créditos educativos, usados por metade dos alunos.

É óbvio que esses países não precisaram de Marx para justificar a cobrança. Mas, ao que parece, os comunistas chineses leram a Crítica ao Programa de Gotha, pois suas universidades são pagas (é curioso, apenas os cursos que preparam professores são gratuitos). Pragmáticos, os chineses notaram que os benefícios pessoais de uma educação superior são muito grandes, criando forte incentivo para que as pessoas invistam na própria formação. Com isso, economizam os recursos do Tesouro (24% dos orçamentos das universidades vêm das mensalidades).

Entre nós, há estatísticas seguras mostrando que diplomados do ensino superior ganham três vezes mais do que aqueles que têm apenas um diploma de nível médio. Sem conhecer as tabelas do IBGE, os brasileiros comuns perceberam a mesma coisa e gastam suas economias no ensino privado, que detém 70% das matrículas.

Seguramente, eles pagariam também o ensino público, onde está a maioria dos cursos de excelência. Portanto, a cobrança de anuidades – compatíveis com suas posses – permitiria aumentar substancialmente a receita das universidades públicas. Apenas para fixar idéias, se pagassem o mesmo que pagam os do ensino privado (cuja classe social é mais ou menos a mesma), aumentaria em até um terço o orçamento das públicas. Seriam varridas, de um só golpe, as crises financeiras que, segundo a esquerda, são a principal causa dos males das universidades (ou os recursos poderiam ser usados para ajudar os mais pobres). Os cursos fracos das públicas seriam abandonados pelos alunos, que optariam por cursos privados com uma melhor relação preço/qualidade. Mantendo-se os orçamentos do Tesouro, o alívio financeiro iria para a pesquisa. Como bônus, progrediria a justiça social, com os ricos pagando por um serviço que lhes traz benefícios pessoais.

A solução é simples, vamos todos ler Marx, pois ele sugere um conserto para nossa combalida universidade pública.

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