FSP
É pouco provável que os ministros responsáveis pelo comércio externo cheguem a um acordo sobre a Rodada Doha na reunião da OMC (Organização Mundial do Comércio) prevista para o dia 13 de novembro, em Hong Kong. A expectativa oficial é que nesse dia eles logrem definir um quadro geral das negociações, mas a situação da economia mundial, marcada por profundos desequilíbrios comerciais, não é favorável à maior liberalização comercial. O próprio Brasil, na defesa legítima de seus interesses, deverá apresentar objeções importantes ao acordo pretendido, e essa será, afinal, uma das razões para que essa minha previsão pessimista se confirme. Não serão, porém, apenas o Brasil e os demais países em desenvolvimento contrários ao protecionismo dos ricos na área agrícola que apresentarão obstáculos. Também os países ricos se revelarão menos interessados em liberalizar adicionalmente o comércio, dada a concorrência no setor industrial que chega da China e da Índia.
Caso essa previsão de fracasso das negociações se confirme, provavelmente não teremos o que lamentar. Sem dúvida, para um país de desenvolvimento médio como o Brasil, seria melhor que houvesse maior liberalização comercial. Foi-se o tempo que nossa estratégia principal de desenvolvimento baseava-se no protecionismo. Hoje, os países mais protecionistas são os ricos, que enfrentam desvantagens competitivas na área industrial, em relação aos países em desenvolvimento com mão-de-obra barata, e na área agrícola e pecuária, em relação aos que têm recursos naturais abundantes e mais sol. Mas a maior liberalização só interessa se for estritamente comercial.
Os países ricos sabem disso e, por isso mesmo, o objeto de sua negociação há muito deixou de ser comercial. Teoricamente, as reuniões continuam a se concentrar em tarifas aduaneiras, mas o que a esses países interessa é outra coisa. Já na Rodada Uruguai, eles colocaram na mesa, de um lado, o aumento de suas próprias prerrogativas como a abertura dos serviços, o fortalecimento da propriedade intelectual e o aumento de garantias aos investimentos estrangeiros. De outro, a limitação da capacidade dos países pobres e médios de fazer política de desenvolvimento como a definição de subsídios para determinados setores e a preferência para empresas nacionais nas compras governamentais. Os jornais dão atenção muito maior às negociações comerciais, mas o que realmente interessa aos países ricos são essas outras vantagens. Como diz a "Economist", "a maioria dos ganhos da Rodada Doha virá da liberalização dos serviços financeiros, médicos e de contabilidade". Fui dos primeiros a apoiar idéia de uma maior integração comercial americana, mas, quando verifiquei que a Alca não significava isso, mas vantagens extracomerciais para os Estados Unidos, concordei com os negociadores brasileiros. Agora, também ao nível da OMC o problema se repete.
Por meio da Rodada Doha os países ricos não esperam exportar mais para os países em desenvolvimento, porque sabem que não são competitivos. Além disso, sabem que as balanças comerciais deverão ser, afinal, multilateralmente equilibradas. O que eles querem é conseguir ainda mais acesso aos mercados dos países em desenvolvimento por meio de suas empresas multinacionais, porque, nesse movimento, não precisam dar reciprocidade: os países em desenvolvimento não têm a menor possibilidade de, via seus próprios investimentos, ter o mesmo acesso a seus mercados. Já cedemos o acesso a nosso mercado interno muito além do que era razoável, mas eles querem que cedamos mais. Oferecem em troca de uma "poupança externa" que não nos beneficia porque aumenta principalmente o consumo, e não o investimento, e uma tecnologia que eles afinal não trazem.
Além disso, os países ricos querem neutralizar a capacidade competitiva dos países de desenvolvimento médio. Eles próprios usaram amplamente recursos de política industrial quando estavam em estágio semelhante de desenvolvimento, mas, desde a Rodada Uruguai, os países ricos lograram impor aos países de desenvolvimento médio restrições que hoje representam um obstáculo importante à formulação e à implementação de estratégias nacionais de desenvolvimento.
Naquela ocasião, os países ricos lograram enormes vantagens porque os países em desenvolvimento estavam fragilizados pela crise da dívida externa. Hoje, a capacidade de resistência a pressões desses países é bem maior. Por outro lado, nossos negociadores comerciais, capitaneados pelo ministro Celso Amorim, estão bem cientes dos riscos que correm. Diferentemente de seus colegas da área financeira, não partem do pressuposto de que nossos interesses são os mesmos dos interesses dos ricos. Já deram um basta no caso da Alca, e, caso os europeus insistam em manter seus incríveis subsídios agrícolas, como é provável, e os americanos busquem mais privilégios na prática unilaterais para suas empresas, não tenho dúvida de que também darão um basta para a Rodada Doha. Mais vale não ter "sucesso" nessa rodada do que sofrer os enormes prejuízos trazidos pela Rodada Uruguai e pelo reconhecimento abusivo de direitos de propriedade intelectual.
Entrevista:O Estado inteligente
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