Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, novembro 21, 2005

Carlos Alberto Sardenberg Lula vai para o córner

OESP

Na hipótese mais benigna, a divergência entre o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, é de R$ 15 bilhões – valor equivalente ao excesso de superávit primário feito até setembro. A ministra e, parece, todos os seus colegas de governo exceto o ministro Paulo Bernardo, do Planejamento, querem torrar rapidamente essa sobra. Palocci e seu solitário aliado pretendem ser mais prudentes, entendendo que o dinheiro não está propriamente sobrando, sendo mais o efeito de uma arrecadação excepcional.

R$ 15 bilhões é dinheiro (mais ou menos 0,8% do PIB), mas não justificaria uma briga terminal entre ministros. Haveria espaço para acordo. A meta do superávit primário (a economia feita pelo governo nas despesas correntes e de investimento para pagar juros) é de 4,25% do PIB para o ano todo. Nos 12 meses até setembro, bateu em 5,1% – a diferença dando aqueles R$ 15 bilhões.

O presidente Lula disse, na entrevista de sexta-feira, que o governo vai fazer os 4,25%. Especialistas em contas públicas dizem que os gastos sempre aumentam no final do ano, mas, neste caso, não no volume necessário para torrar todos os R$ 15 bilhões. Tudo considerado, haverá mais gastos agora e o superávit será um pouco acima da meta. Como esse número será conhecido apenas em fevereiro ou março de 2006, haveria tempo para acalmar a disputa dentro do governo – se o caso fosse apenas esse: o que fazer com o excesso de arrecadação.

Não é. Na mesma entrevista de sexta, Lula disse: "Tenho certeza que vamos consertar para melhor a política econômica." E explicou que o conserto será resultante do embate Palocci x Dilma. Ou seja, a divergência é bem maior e deve ceifar cabeças, pois o ministro Palocci disse no depoimento no Senado que só permanece no governo se for para fazer a sua e a atual política econômica.

E, se Palocci cair, vão junto o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, e sua diretoria. Pois, embora o barulho se faça em torno do tamanho do superávit primário, a variável imediata de mudança de política econômica está na taxa básica de juros. Não é fácil investir. É preciso ter bons projetos, combinar com governos estaduais e prefeituras, superar a cada vez mais difícil etapa de obtenção das licenças ambientais. Nisso tudo o atual governo tem revelado incompetência adicional. Mesmo projetos que já têm dinheiro liberado não andam.

Isso, aliás, dá razão a Palocci. A rigor, não se pode dizer que o governo não anda por falta de dinheiro, ou que o arrocho deste ano é maior que o de períodos anteriores. Relatório do Tesouro Nacional mostra que, até setembro, a despesa total do governo, incluindo custeio e investimento, foi equivalente a 16,81% do PIB, ante 16,15% no mesmo período de 2004.

A arrecadação teve alta expressiva e a Fazenda distribuiu esse ganho transferindo um pouco mais para Estados e municípios, gastando mais e fazendo um superávit primário um pouco maior.

Nesse quesito das contas públicas, o que o governo pode fazer de imediato é anunciar propósitos. Por exemplo, informar que o superávit do ano que vem será reduzido para 3%. E aqui entra a taxa de juros.

A meta de 4,25% para o primário não sai do nada. É considerado o nível necessário para, primeiro, impedir o crescimento da dívida pública líquida (hoje em torno de 51% do PIB) e, depois, obter uma lenta redução. Ora, se reduzido o primário, haverá menos dinheiro para pagar juros. Assim, o governo precisará tomar mais empréstimo para pagar juros. A dívida aumenta – sendo que esse critério, dívida/PIB, é variável-chave para avaliação da solvência e do risco de um país.

Se o mercado percebe que essa relação está piorando, imediatamente eleva os juros a serem cobrados do governo, o que prejudica ainda mais a rolagem dos compromissos e o próprio crescimento econômico. Mas, se o BC reduzir a taxa básica de juros, estará também reduzindo a despesa financeira do governo, abrindo espaço para a redução do superávit primário. Sem contar que com juros menores haverá mais crescimento econômico, com mais investimentos e consumo privados.

Eis aonde a ministra quer chegar. E eis o ponto central da divergência: para ela, os juros altos são a causa maior do desarranjo das contas públicas. Juros altos incidindo sobre a despesa pública exigem superávit primário maior. Para a Fazenda, os juros altos são conseqüência do desarranjo das contas públicas, de uma dívida elevada que resultou de longo período de irresponsabilidade fiscal.

Para a tese exposta pela ministra Dilma, a solução começa com a queda dos juros e segue com alta do dólar, redução do superávit e aumento do gasto público, dando numa rápida retomada do crescimento. Para a tese desenvolvida por Palocci, a solução começa com um plano de longo prazo de redução do gasto público com custeio e com Previdência, sendo esta a condição para a queda consistente dos juros. Daí viria a redução da carga tributária e um crescimento mais lento, mas firme e sem inflação.

Para a ministra, a política de Palocci não gera crescimento. Para o ministro, a tese de Dilma gera inflação, desequilíbrio fiscal e, ao final, recessão.

A proposta de Dilma pode dar em crescimento imediato. A de Palocci exige um paciente trabalho de reformas no setor público e na microeconomia, de modo a abrir espaço para investimentos públicos e privados.

Dilma apresenta a Lula um canto de sereia: juros menores, governo gastando, sobra para o salário mínimo, crescimento.

Palocci diz que o simples anúncio de um plano de ajuste de contas públicas, com a meta de reduzir a dívida para 40% do PIB, já produz efeitos positivos no ambiente econômico. É claro, porém, que se trata de caminho mais difícil. Seu argumento mais forte no curto prazo é um alerta: a ressaca do encanto da sereia é a volta da inflação, no que tem razão.

A opção pela mudança é tentadora para Lula, mas assustadora. E se topar com uma inflação em alta no período eleitoral? Campanha óbvia dos tucanos: o PT rouba e faz inflação.

Por outro lado, se mantiver a atual política, mas sem conseguir avançar nas reformas, entra na eleição com crescimento baixo, investimentos contidos, salário mínimo alvo de fogo amigo. Campanha dos tucanos: o PT rouba e não faz mais nada. Por isso é possível que Lula, indeciso, deixe por isso mesmo, com o desgaste de um embate sem conclusão. Mas foi ele mesmo que se meteu nisso.

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