O GLOBO
Se não tomarem juízo na guerra insana em que se defrontam na disputa política pelo poder, PT e PSDB caminharão juntos para o cadafalso, diante de uma opinião pública cada vez mais convencida de que os dois podem ter razão nas acusações mútuas com que se destroem em praça pública. Pode ser um triste fim para esses partidos "primos", que vieram da mesma fôrma e podiam estar juntos desde o início.
O PSDB nasceu de uma dissidência do PMDB, sem as bases operárias que caracterizam os partidos social-democratas europeus. E o PT só depois de chegar ao governo central se encontrou com sua veia social-democrata. Dominam a vida política nacional há quase 20 anos, e provavelmente continuarão monopolizando as ações políticas nos próximos anos, se conseguirem sair desse labirinto em que se meteram.
A revelação de que foi o senador Eduardo Azeredo quem pediu para o deputado Átila Lira, do Piauí, retirar a assinatura do requerimento de prorrogação da CPI dos Correios, interessado em barrar as investigações sobre o esquema do lobista Marcos Valério nas eleições de Minas em 1998, é mais um dado negativo para os tucanos.
Assim como o PT não consegue punir "o nosso" Delúbio, também o PSDB não consegue punir nem o seu ex-presidente Eduardo Azeredo, nem o deputado Lira, que passou da situação de quase expulso a talvez suspenso. Do mesmo modo, diversos acordos pontuais foram feitos ao longo das CPIs, sempre para livrar parlamentares ou protegidos dos dois partidos, num "chumbo trocado" que não dói em qualquer dos lados.
O caso de Azeredo é de caixa dois, diferente do esquema montado no PT, que tudo indica teve dinheiro público envolvido e compra de votos de deputados e partidos, conforme se apressa a esclarecer o novo presidente do PSDB, senador Tasso Jereissati.
Mas nem a intensidade nem a modalidade do crime interessam à opinião pública, que fica com a sensação de que todos são iguais. Embora seja uma tática suicida, o PT conseguiu passar essa idéia para a opinião pública, assim como ficou na conta do PSDB a eleição de Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara.
As pesquisas de opinião indicam que o cidadão comum está cada vez mais descrente da política e distanciado dos partidos políticos, um fenômeno mundial. Essa crise de legitimidade política está fazendo com que surja, na sociedade civil, uma mobilização social espontânea, um movimento de opinião pública que ganha maior dimensão pelo uso das novas tecnologias, como os blogs e o telefone celular.
Em nível internacional, a revolta dos excluídos nas periferias francesas é um exemplo dessa moderna mobilização. Entre nós, o peso da internet e do boca a boca no resultado do referendo sobre o desarmamento são o sinal mais evidente de que a sociedade civil está encontrando novos meios de se organizar, ao largo das mídias tradicionais, e acima dos partidos políticos.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso analisou essa mutação recentemente em um artigo na revista americana "Foreign Policy", onde afirma com todas as letras, a respeito dos partidos políticos: "Suas perspectivas não são brilhantes nas modernas democracias de massa. Na verdade, essas poderosas máquinas políticas devem desaparecer em breve. O terreno já está se movendo sob seus pés".
Para Fernando Henrique, os partidos políticos como são conhecidos hoje foram baseados em divisões de classe e ideologias que estão perdendo a importância, especialmente nas sociedades mais avançadas. Embora admita que consciência de classe ainda tem importância, Fernando Henrique cita questões étnicas, religiosas e de gênero como as que se colocam além dos programas dos partidos políticos tradicionais e das classes sociais.
Na sua avaliação, as pessoas não confiam mais nos políticos e querem uma maior participação nos assuntos públicos, preferindo fazer valer sua voz diretamente ou através de organizações não-governamentais. Fernando Henrique diz que votar continua sendo essencial, mas adverte que "votar não requer partidos políticos".
Quanto mais importante for o assunto, é cada vez mais provável, diz ele, que diferentes governos, seja na Suíça, na Bolívia ou na Califórnia, vão buscar legitimidade diretamente em referendos, em vez de por meio dos parlamentos ou legislatura, o terreno natural dos partidos políticos.
Fernando Henrique vê os partidos políticos em uma encruzilhada: precisam se transformar, ou se tornarão irrelevantes. Para ele, os partidos políticos têm que "recapturar a imaginação do público" e entender que "outros participantes merecem estar sentados à mesa política". Caso contrário, desaparecerão. Esse movimento a que se refere o ex-presidente Fernando Henrique é a busca de preenchimento do "vazio de representação", estudado pelo sociólogo Manuel Castells.
O cientista político francês Dominique Colas, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, define bem a interpretação política da sociedade civil atual dizendo que ela designa "a vida social organizada segundo sua própria lógica". Esse moderno conceito, que destaca a capacidade de os indivíduos assumirem seus próprios destinos, define a "sociedade civil global".
A existência de novas tecnologias e a mudança da sociedade, e não apenas a tentação de usar a pressão da opinião pública contra os políticos, são o que faz com que a "democracia direta" não seja mais apenas recurso de governantes autoritários. A consulta popular como complementação de uma política governamental de ampliar o debate e incluir a cidadania nas decisões pode ser um caminho para superar o desgaste que os políticos vêm sofrendo.
Entrevista:O Estado inteligente
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