O GLOBO
O bonequinho do GLOBO já viu e deu douto parecer, mas eu aqui não consigo deixar de falar do bom que é ter visto "Vinicius".
Na tarde do feriado o cinema estava lotado — gente moça e gente velha — e os dois times aplaudiram no final com igual entusiasmo. Lembrar e conhecer, pelo visto, produzem o mesmo impacto. A platéia brasileira não é de aplauso fácil, muito menos em cinema, mas a reação ao filme de Miguel Faria tem sido de entusiasmo generalizado. O roteiro — que mistura um tanto de declamação de poemas com farto material filmado e gravado da vida de Vinicius e mais uma quantidade de depoimentos de quem o conheceu de perto — a história de um poeta-diplomata que põe sua arte a serviço da música popular.
Houve intelectuais que o criticavam por isso. Diziam que ele tinha jogado fora a oportunidade de ser nosso não-oficial poeta laureado. E o Itamaraty tinha urticária ao ver alguém da carrière escolhendo compor sambas e ser pago para fazer shows.
O próprio Vinicius não parecia ter feito uma escolha difícil, traumática: tinha suas queixas do ministério — e elas se justificariam quando o regime militar perdeu a paciência e ele foi demitido do serviço público — mas nenhum arrependimento de ter passado a pensar mais em samba do que em soneto.
O filme o mostra ocupado, praticamente em tempo integral, com as coisas de música e amor. E bebendo o tempo todo. O uísque, diz ele, é o melhor amigo do homem. "Isto aqui", brada jovialmente, "é cachorro engarrafado!"
E tanto bebe quanto ama. Ama e se casa. Perde-se a conta do número de casamentos mostrados no filme. São histórias contadas, com visível afeto misturado a alguma exasperação, pela filharada e por algumas das "ex".
O maior bloco de depoimentos, colhidos agora, é dos parceiros na música e artistas de seu tempo: Chico, Edu, Toquinho, Baden e por aí afora. Para quem não existia na época — ou existia e não prestou atenção — é uma revelação. Não se ouve toda hora a história e histórias de um grande poeta com aguçado ouvido musical e amor pela arte popular de seu país. Vinicius era tudo isso, e o mostrou mesmo durante as décadas de 60 e 70: os chamados anos de chumbo.
Não lhe estava reservado o papel de conspirador contra o regime militar. Nem era organizado para isso. Mas ele representava tudo o que o regime não era ou não sabia ser. Era capaz de mostrar amor à pátria chamando-a de patriazinha. Por definição, regimes de força não têm patriazinhas — nem saberiam lhes mandar "saudades de quem te ama".
Mas isso pouco interessa: o belo trabalho de Miguel Faria tem mais a ver com música do que com política. É no violão, na cantoria e acima de tudo na alegria de viver e de amar que o Vinicius do seu filme é mostrado — como era preciso que fosse — para um Brasil que talvez não conheça bem a importância que ele teve na música brasileira.
Agora esse Brasil está batendo palmas sem parar — até mesmo antes de ver o verdadeiro final de "Vinicius", depois dos créditos.
Entrevista:O Estado inteligente
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