Mais privatizações, de um outro modo
Roberto Macedo
Nancy Birdsall, que fundou e preside o CDG, é conhecida entre economistas brasileiros. Trabalhou 14 anos no Banco Mundial, onde lidou com a América Latina, particularmente com o Brasil. De 1993 a 1998, foi vice-presidente-executiva do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), novamente lidando com o nosso país.
Sobre o livro, o professor Joseph Stiglitz, da Universidade de Colúmbia e laureado com o Prêmio Nobel de Economia, disse que "a maioria dos estudos de privatização olha o que acontece com as empresas; este olha o que acontece com as pessoas - trabalhadores, consumidores e os desprotegidos. Isto é um progresso".
De fato é, mas o livro não chega a uma conclusão definitiva nem de aplicação universal. A conclusão dos organizadores é a de que "... a privatização tem sido, em muitos casos, uma coisa razoavelmente boa, inclusive para os pobres", mas advertem que essa conclusão tem efeito limitado, pois os resultados dependem do país, do contexto e da ocasião em que a privatização ocorreu, do tipo de empresas que envolveu e das condições iniciais.
A privatização é analisada em dez países (Argentina, Bolívia, Brasil, México, Nicarágua, Peru, China, Rússia, Sri Lanka e Ucrânia). O enfoque é o da eqüidade social, mas os organizadores também resumem o efeito sobre a eficiência das empresas e da economia, analisado mais intensamente pela literatura. No Brasil, este último tema também domina os estudos existentes, que a partir de indicadores econômico-financeiros mostram que, de um modo geral, as empresas privatizadas melhoraram o seu desempenho.
Ao abordar a questão da eqüidade, tratei de dois aspectos da privatização: seu impacto sobre a distribuição da propriedade e o efeito em razão dos novos preços que os consumidores passaram a pagar pelos bens e serviços antes providos por empresas estatais.
Quanto ao primeiro aspecto, perdeu-se uma grande oportunidade de democratizar a propriedade do capital, mediante maior oferta pública e troca de ações de estatais pelos depósitos dos trabalhadores no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Essa alternativa só foi adotada no final do governo Fernando Henrique Cardoso e em pequena escala. Outros créditos que a população tem com o governo, como os recebíveis de aposentadorias, também poderiam ter sido trocados por ações.
Quanto aos custos para o consumidor, a indexação de tarifas públicas a índices de preços fortemente contaminados pelas desvalorizações cambiais que vieram após a privatização agravou bastante esses custos, em particular para os mais pobres. Como resultado, os consumidores passaram a ter parcela crescente de sua renda absorvida por gastos como os de eletricidade e telefonia, prejudicando até a avaliação claramente positiva da privatização deste último setor, em que a forte expansão dos serviços trouxe inegáveis ganhos.
Noutro estudo citado no livro, abordei o impacto fiscal da privatização, o qual também teve implicações distributivas. Contabilmente, os muitos bilhões de reais levantados com a privatização serviram para abater a dívida pública, mas numa dinâmica distorcida isso abriu espaço para ampliá-la novamente. Além disso, os dólares que vinham de fora para o programa tiveram um papel pouco percebido, o de estender por mais tempo as políticas de câmbio baixo e juros altos do primeiro mandato do governo FHC, as quais também agravaram a dívida pública. Isso é desastroso do ponto de vista da distribuição de renda, pois o pagamento dos juros dessa dívida não alcança os pobres, mas estes pagam parte da conta.
Entretanto, esses e outros aspectos vulneráveis não podem ser atribuídos à privatização em si mesma, mas ao modo como foi feita no Brasil. Ganhos de eficiência existiram e análises atualizadas deveriam ponderar também, em face do que ocorre no governo Lula, que um dos maiores benefícios foi o de reduzir sensivelmente o número de estatais, diminuindo dessa forma o espaço para má gestão e corrupção. Assim, o País foi poupado do efeito da nomeação de centenas de diretores indicados politicamente, mais todos os cargos de confiança deles e de desconfiança nossa que preencheriam com seus apadrinhados.
Outro ponto em favor da privatização é que o PT, que no passado lutou agressivamente contra ela, agora prefere atacá-la com adjetivos, quando, por exemplo, diz que foi "selvagem". No substantivo, não cogita de revertê-la, além de aceitar as Parcerias Público-Privadas (PPPs), nas quais o terceiro P não disfarça outra forma de privatização.
Enfim, o livro citado é mais uma oportunidade para refletir sobre a nossa privatização e para aprender também com a dos outros. Na minha cabeça permanece a conclusão de que vale a pena ir em frente, mas de um outro modo, em que o uso fiscal adequado e a maior eqüidade social fiquem no mesmo plano do objetivo da eficiência de gestão.