FSP
Foi o economista Ignácio Rangel quem primeiro entendeu o papel da inflação na superação das crises nacionais. Supunha ele que, na falta de racionalidade para a superação de impasses na economia, ocorria uma disfunção interna -representada pela inflação- que permitia aos novos grupos, mais organizados, acumular capitais mais rapidamente e lançar a etapa seguinte de investimentos.
É importante notar o papel das operações cambiais nesse processo. No século 19, coube a Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá (1813-1889), entender o fantástico potencial de ganhos negociando diferenças entre moedas. Houve um processo muito intenso nos anos 1940, no pós-guerra, ainda não suficientemente levantado pela historiografia nacional -que pretendo explorar na biografia do embaixador Walther Moreira Salles, a ser lançada no primeiro semestre do próximo ano.
No pós-guerra começa a ser montada uma rede internacional de operadores de câmbio. O sistema monetário internacional oficial se reorganiza em torno do FMI. Mas há inúmeras moedas circulando no mundo -desde o dólar, moeda dominante, até várias formas de libras escriturais, representando dívidas de guerra da Inglaterra. Cria-se uma rede internacional de operadores de câmbio que passam a se comunicar, mesmo com os precários sistemas de comunicação existentes na época. Em cada país onde tinha ativos e passivos, a Inglaterra fizera uma contabilização, criara uma conta gráfica gerando uma moeda com valor diferente, cuja única finalidade era permitir a aquisição dos ativos ingleses naquele país ou a importação de bens da Inglaterra.
No Brasil, como havia muita dívida para pouco ativo, a "libra Brasil" era muito cara; no Egito, com muito ativo inglês para pouca dívida, a "libra Egito" era mais barata. Na praça de Zurique criou-se um mercado onde se negociavam essas moedas e se faziam operações de "swap". Foram dois financistas judeus-austríacos (os irmãos Emerich e Francis Khan), refugiados no Rio, quem ensinaram aos jovens financistas brasileiros da época as possibilidades de ganho nessas operações.
Através delas, Walther Moreira Salles e seu grupo lograram o controle da Brazil Warrant, empresa britânica que detinha mais de US$ 15 milhões (dólares da época) em ativos do Brasil. A operação consistia em adquirir "libras egípcias", mais baratas, e trocá-las por "libras brasileiras", adquirir gradativamente as ações da Brazil Warrant no mercado londrino (através do recém-criado banco S.G. Warburg). Depois, remeter os dólares pelo câmbio oficial -através da conta gráfica-, ganhando pela segunda vez no diferencial entre as taxas.
Nos anos seguintes, a experiência acumulada com câmbio permitiu ao grupo efetuar seus negócios mais lucrativos, negociando dívida externa brasileira no mercado internacional. Foi através da praça de Zurique que liquidaram praticamente com toda a dívida externa paulista, no governo Ademar de Barros. Compravam dívida na praça de Zurique, e davam abatimento ao governo paulista de Cr$ 20 a Cr$ 30 por libra. As dívidas eram descentralizadas e se concentravam basicamente no sistema de docas, especialmente as Docas da Bahia e do Pará, além de empréstimos para café.
Enormes fortunas foram constituídas naqueles tempos, em cima da arbitragem de câmbio e de renegociação de dívida externa. Moreira Salles atuou basicamente nos EUA, com os credores disseminados por todo o país. A entrada no mercado americano foi possível graças à Dillon Reeds Co, de seu amigo Douglas Dillon, mais tarde adquirida pela GE. Vêm dessas operações, também, as enormes fortunas acumuladas pelos irmãos Safra e pelo banqueiro paulista Gastão Vidigal, do Banco Mercantil. Na ocasião, o grupo com mais relações com os credores externos era o Monteiro Aranha, ligado ao Schoereder, grande credor do Brasil.
Não era um jogo fácil, devido à falta de um sistema de comunicações confiável e de um mercado plenamente transparente. As negociações surgiam aos borbotões, sem que houvesse um sistema de cotação sólido. Às vezes obtiam-se ágios enormes; às vezes, pequenos "spreads".
Entrevista:O Estado inteligente
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