Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 19, 2005

FERNANDO GABEIRA Senhor Poleto, leve-me ao seu líder

FOLHA


Como todo mundo, de vez em quando deixo de lado a cena política para cuidar de algo que considero mais urgente e importante. Quando volto, a perplexidade me envolve de novo. Isso explica, talvez, por que tenha deixado no arquivo a foto de um campo de pouso de disco voador, construído num hotel próximo a Manaus. Como xangô para Vinicius de Moraes, essa imagem me ajuda a chegar.
Não contesto a existência física do sr. Vladimir Poleto. Mas aquele depoimento da cachacinha questiona o Congresso, nossa existência, até o nosso passado. Não sei se porque estava recém-aterrissado, mas o depoimento de Poleto nos coloca numa situação do tipo ou ele ou eu.
Se ele produziu a história da cachacinha para explicar os dólares na caixa de bebida com tantos detalhes foi porque acreditava em nossa estupidez. Se ele, ao falar da cachacinha, mostrava os dois dedos, gesto típico dos apreciadores, o fazia apenas para fortalecer sua história. Como esses mágicos de festas infantis que levam com eles a dose certa de gelo seco para envolver seus truques.
Quem é esse homem? Quem são seus amigos? O que fazem? De que planeta vieram para abocanhar uma parte dos negócios públicos, dominados parcialmente por estranhos montanheses como o calvo Marcos Valério?
Francamente, sr. Poleto, leve-me ao seu líder. Creio tê-lo visto na televisão. Estava curioso para ver como explica toda essa aventura interplanetária. A luz, o som e o cenário da entrevista do líder Lula eram uma catástrofe. Lembro, quando adolescente, de um anúncio de roupa masculina na revista "Esquire". Era uma foto do Krushev, com o texto: seu alfaiate deveria ser mandado para a Sibéria.
Os cinegrafistas do líder deveriam ser mandados para o correspondente da Sibéria neste paraíso vermelho temporão. Eles criam uma atmosfera onde a mentira é quase uma ofensa: Roberto Jefferson foi cassado porque não provou o "mensalão".
Por que mentem tanto e tão deslavadamente? Tenho um palpite. Acham que é preciso abandonar o front da legitimidade e lutar apenas por posições. Essa troca de fronts explica todas as coisas estranhas que acontecem com eles, embora o sr. Poleto seja um caso raro, podendo ter vindo até de um terceiro planeta que não tinha entrado na história.
O movimento de impedir que a CPI prossiga foi típico dessa nova fase. O que importa o desgaste? O essencial é colocar os pés naquela sala, congelar os trabalhos. O desgaste pode ser recuperado adiante, pois quando se tem a posição, tudo se resolve. Com agrados e dinheiro. Há sempre jornalistas loucos para falar bem do governo; há sempre deputados dispostos a tudo por uma verba orçamentária.
Ao optar pelo caminho da mentira, o líder do sr. Poleto, caso sejam do mesmo planeta, apenas trilha um caminho conhecido de outros. Bush e Berlusconi, por exemplo. A diferença é que esses outros dois estão preparados para perder o contato imediato com a classe média.
Esses Poletos não estão. Vivem na classe média e inclusive seu líder, apesar dessa história de ligar-se diretamente ao povo, está bem consciente dos seus valores. No filme "Entreatos", uma de suas decepções com os franceses foi a de não o terem reconhecido como homem da classe média.
Mas e o Chávez? Não poderiam pertencer à mesma constelação? Chávez nada em excedentes de petróleo, apesar da estagnação industrial e do aumento da pobreza na Venezuela. Além disso, tem um antiamericanismo com ampla capacidade de sedução e um nível irrisório de eficácia.
Há várias razões para que esse planeta Poleto tenda ao colapso. Uma delas é que os farsantes, ao contrário do que dizem, não têm outra identidade disponível. Poleto sumiu de casa, Lula evita encontros espontâneos.
Suponhamos que suportem o tranco psicológico, uma cachacinha aqui, elogios dos puxa-sacos ali, enfim, que consigam tocar seu barco. Não percebem que historicamente navegam contra um tsunami.
O direito à verdade passou a ser um tema político importante. Aznar dançou na Espanha porque tentou manipular os eleitores, no calor do atentado. Bush lançou parte do mundo na Guerra do Iraque baseado na mentira de que havia armas de destruição em massa. A versão da polícia inglesa para o assassinato do brasileiro Jean Charles Menezes não durou uma semana.
Mesmo se você observar bem as entrevistas dos meninos que estão botando fogo nos subúrbios franceses, sempre se referem ao discurso político com a expressão "blablablá".
O mais recente guru do líder disse que a tarefa de um presidente é sobreviver no cargo. Fecharam-se todos os horizontes, caíram todas as máscaras. Os líderes do Poleto cravaram as unhas na mentira, certos de que no poder sempre poderão seduzir ou comprar o apoio necessário para seguir adiante.
É patético ver isso tudo se desdobrando como o desenrolar de uma experiência de esquerda. Mas, se voltarmos atentamente à história do socialismo, sobretudo onde triunfou, veremos os germes burocráticos dessa aberração. A diferença é que lá havia censura. Aqui, não, daí a necessidade de Poleto e seu líder buscarem alguns sinais rudimentares para uma comunicação interplanetária. Em caso de recusa, vão acabar sendo forçados a nos deixar no disco voador das três horas.


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