Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, novembro 22, 2005

EDITORIAIS de O ESTADO DE S.PAULO

O que quer o PSDB?

O utras vezes, antes da convenção nacional de sexta-feira passada, os tucanos já tinham ensaiado fazer oposição ao governo do PT como o PT fazia oposição ao seu. Nunca deu certo, mas eles não aprenderam - e reincidiram no erro no evento organizado para a posse do novo presidente do PSDB, senador Tasso Jereissati. A tática é errada por mais de um motivo. Antes de tudo, porque abre caminho para degradar ainda mais os já lastimáveis padrões costumeiros do debate público no Brasil - fazendo antever em 2006 uma disputa presidencial de nível similar ao da que foram protagonistas, em 1989, Fernando Collor e Lula da Silva. Com a agravante de que não serão os tucanos os seus beneficiários, pois lhes faltam autênticos palanqueiros populistas, e o PSDB não é propriamente um partido de massa.

Outro motivo é que, não tendo nascido para serem sapos barbudos de má catadura - como Lula, antes do transplante de imagem a que o submeteu o marqueteiro Duda Mendonça - eles se revelam desastrados aprendizes de feiticeiro, desqualificando-se a si próprios ao bater no governo abaixo da linha da cintura. O exemplo mais evidente de inadequação do ator ao papel e dos meios aos fins vem sendo dado por ninguém menos do que o ex-presidente Fernando Henrique, entre cujos atributos decididamente não está o de fazer política de borduna em punho. Destoa de seu feitio e acaba servindo ao adversário a rombuda afirmação de que "lugar de ladrão é na cadeia", que proferiu na convenção, com destinatário inconfundível, imitando desastradamente o berreiro petista quando ele ocupava o lugar que viria a ser de Lula.

Bem observou, depois, o governador mineiro Aécio Neves, também tucano, que esse tipo de ataque é não apenas inócuo, mas contraproducente. "Não conseguiremos transformar o Lula em ladrão porque ninguém vai acreditar", avaliou. "Se tentarmos, vamos transformá-lo em vítima" Difícil divergir dessa avaliação quando se lembra quanta água levou para o moinho da teoria petista de que as elites e a mídia conspiram contra o governo - daí a "exploração dos erros"do partido - a expressão do presidente do PFL, Jorge Bornhausen, "acabar com essa raça". O pior foi a surpreendente falta de senso de medida e oportunidade dos recentes comentários de Fernando Henrique sobre política econômica, divulgados justamente quando ficou escancarada a erosão da preeminência do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, no governo Lula.

Numa entrevista à nova publicação tucana Agenda 45, lançada na convenção partidária, o ex-presidente fez declarações que poderiam ser confortavelmente subscritas pelos opositores históricos ou de ocasião ao que outra coisa não é se não a "continuidade sem continuísmo" que o candidato do PSDB, José Serra, prometia em 2002, como paradigma de orientação econômica ciente de que o manejo racional das finanças públicas é precondição do desenvolvimento sustentável. Fernando Henrique chegou a falar em "ultra-ortodoxia" e em "armadilha econômica", que condenaria o País "a taxas de crescimento medíocres e desemprego estabilizado em nível elevado." Usou o adjetivo "cavalar" para se referir ao patamar da taxa de juros e acusou o governo - e não será propriamente a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, a sua encarnação, no caso - de semear uma crise fiscal.

Não sendo de esperar que o ex-presidente e os tucanos mais lúcidos estejam torcendo pelo quanto pior, melhor, como acusou, em entrevista publicada domingo neste jornal, o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante, referindo-se genericamente a setores da oposição, resta saber o que quer o PSDB numa conjuntura que o senador comparou apropriadamente a patinação sobre "uma camada de gelo fino" - em que qualquer irresponsabilidade pode custar uma exorbitância menos ao governo do que ao País. O PSDB tem pela frente uma tarefa que só se pode cobrar de partidos sérios: esforçar-se para impedir que o tema dominante da campanha sucessória que já se inicia - a política econômica - despenque no abismo da demagogia.

Cabe-lhe separar o muitíssimo que há para criticar no governo Lula do que nele é alvo daqueles mesmos que, com as mesmas alegações, investiam contra o governo Fernando Henrique. A estabilidade econômica, que felizmente não foi a pique nestes três últimos anos, estará cada vez mais exposta a turbulências. Será o cúmulo se a oposição contribuir para acrescentar violência a elas.


Pacote contra o caixa 2

À primeira vista pode parecer de todo improvável que a maioria dos deputados e senadores se disponha a concentrar esforços para uma reforma eleitoral em pleno ano eleitoral, como será o próximo, com as principais eleições - a presidente, governador, deputado e parcela do Senado - e a perspectiva de uma disputa mais acirrada do que nunca, girando em torno de tudo o que provocou a grande crise política em curso. Não parece provável que os parlamentares queiram promover mudanças capazes de limitar o poder de fogo de suas próprias campanhas. Mas visto o assunto de outro ângulo - mais otimista, no caso - é possível enxergar-se, justamente em função dessa crise, um clima favorável à moralização do jogo eleitoral, posto que esta tem virado uma indiscutível e notória exigência ética da sociedade brasileira e talvez a condição sine qua non para a recuperação de credibilidade dos que exercem funções políticas no Brasil.

É neste sentido que deve ser avaliada a iniciativa do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Carlos Veloso, de apresentar (primeiro ao presidente da República, por protocolar deferência) um pacote de medidas destinadas a coibir a prática do caixa 2 nas campanhas eleitorais. As propostas de mudança, elaboradas por uma comissão de juristas, auditores e pessoas de outras áreas, de alguma forma conectadas ao tema, não configuram uma ampla reforma - que exigiria elaboração muito mais vasta e demorada -, mas limitam-se a alterações pontuais da legislação eleitoral existente. Aí se incluem, por exemplo, sugestões para o aumento de pena para os crimes de falsidade ideológica, a possibilidade de reabertura, a qualquer momento (e não mais só até a aprovação de contas pela Justiça Eleitoral), de processos por crime eleitoral, que podem levar a perdas de mandato, e outros procedimentos mais rigorosos, no campo da fiscalização das campanhas e da punição de infratores. Há dispositivos moralizadores que, embora já existam na legislação vigente, não são aplicados - daí serem reforçados no novo texto. Este é o caso, por exemplo, da cassação da imunidade tributária dos partidos que tiverem contas desorganizadas.

Também se pretende introduzir, nesse pacote de mudanças, um sistema de "incentivo fiscal" aos doadores de recursos para campanhas eleitorais - inovação que consideramos de todo inconveniente. O objetivo seria o de combater o caixa 2 - é como se as empresas que pretendem contribuir para as campanhas político-eleitorais precisassem de incentivo fiscal para cumprir a lei e registrar regularmente suas doações, por meio da troca de recursos por bônus eleitorais. É claro que isso não impediria as contribuições "por fora" - ou "não contabilizadas", para usar a novilíngua petista de ultimamente.

O pior é que, referindo-se a contribuições "diretas para as campanhas", o novo texto talvez fira o importantíssimo artigo 21 da Lei Eleitoral vigente (a 9.504 de 30 de setembro de 1997), pelo qual "o candidato é o único responsável pela veracidade das informações financeiras e contábeis de sua campanha". Não poderia haver um intuito sub-reptício de diluir essa responsabilidade, pelos comitês eleitorais e partidos, livrando mais a face do próprio candidato? Além do mais, doações para campanhas não devem receber incentivos fiscais. O financiamento eleitoral pela via do incentivo fiscal seria uma espécie de compensação espúria, propiciada pelo Estado, para que pessoas e empresas ajudem a eleger seus candidatos preferidos com dinheiro subtraído dos impostos - da coletividade.

Reconheça-se, no entanto, que no geral as medidas apresentadas significariam um avanço no rumo do restabelecimento da "ética na política". É evidente que o endurecimento de regras para o combate ao caixa 2 dos partidos ou campanhas não será suficiente para depurar de todos os seus defeitos o sistema político-eleitoral. Mas que seria um oportuníssimo primeiro passo moralizador, propício à diminuição do profundo desânimo que tem se abatido sobre a sociedade brasileira nos dias que correm - e por motivos óbvios demais, para precisarem ser explicados -, lá isso seria.

 

Investida contra a seriedade

A grande campanha pela gastança, primeiro grande lance em prol da reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já tem apoio nos meios empresariais e sindicais. A nova investida contra a seriedade fiscal e monetária, iniciada pela chefe da Casa Civil, ministra Dilma Rousseff, já mobilizava ministros empenhados em debitar sua inoperância na conta de seu colega da Fazenda, Antonio Palocci. Encomendados "por baixo do pano" pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que intensifica sua campanha reeleitoral, os ataques à política econômica ficaram mais violentos com a participação de novos defensores do crescimento a qualquer custo.

O Estado mostrou na sexta-feira o papel da chefe da Casa Civil como porta-voz de ministros descontentes com a austeridade fiscal. Todos acusam o ministro Palocci de atrasar a distribuição de verbas, impedindo a realização de obras.

Que o Tesouro seja parcimonioso na liberação de recursos, beirando o pão-durismo, não é novidade. Mas atribuir a essa orientação a escassez de realizações é no mínimo injusto.

O Ministério dos Transportes só conseguiu empenhar 70,3% das verbas liberadas pelo Tesouro, apesar das péssimas condições da maior parte das estradas brasileiras e das imensas necessidades de investimento. O Ministério da Agricultura poderia reclamar com razão da insuficiência do dinheiro repassado pelo Tesouro, para suas necessidades objetivas. Mas teria de explicar por que foi incapaz de aplicar até as insuficientes verbas destinadas à defesa sanitária. O reaparecimento da aftosa não é resultado apenas da escassez de recursos.

Comentários semelhantes valeriam para a maior parte das atividades-fim do governo. Prometida em 2003 e só lançada em 2004, a decandata política industrial, tecnológica e de competitividade continua a derrapar, sem produzir resultados significativos. A política de inovação tecnológica - exemplo notório - demorou a converter-se em lei, foi regulamentada com atraso e ainda não é muito mais que uma promessa, como atestam empresários e estudiosos.

A maior parte dos resultados obtidos por este governo e citados na repetitiva autolouvação do presidente Lula é atribuível principalmente a dois fatores: a reformas iniciadas no governo anterior - com reflexos na modernização produtiva e nos ganhos de competitividade - e à manutenção da seriedade fiscal e monetária.

O governo poderia dar um passo importante para consolidar as condições de crescimento com estabilidade, se adotasse o plano de longo prazo proposto pelos ministros do Planejamento, Paulo Bernardo, e da Fazenda, Antonio Palocci. A execução do plano seria mais eficiente com a adoção de meta fiscal mais ambiciosa, alcançável sem maior sacrifício: bastaria conter a expansão do gasto, sem diminuí-lo a cada ano.

Contra isso se voltou a ministra Rousseff, com apoio dos colegas e indisfarçável endosso do presidente Lula. Agora essa reação é explicitamente apoiada por gente de fora do governo.

O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Newton de Mello, pediu ao presidente Lula, em carta, a demissão do ministro da Fazenda e do presidente do BC. Propôs até alguns nomes para substituí-los, como os ministros do Desenvolvimento, Luiz Furlan, da Agricultura, Roberto Rodrigues, e da própria Rousseff. O presidente da Força Sindical , Paulo Pereira da Silva, impôs até um prazo para a demissão de Palocci, 30 de novembro, e sugeriu sua substituição por alguém do setor privado, preferencialmente da indústria. Será essa, afinal, a tão falada aliança entre capital e trabalho?

O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, defendeu a mudança das políticas monetária e cambial com ou sem mudança de nomes. Mas defendeu a redução do gasto, como se fosse possível, nesta altura, mudar a política sem mexer em ministros e fazer tudo isso sem favorecer a gastança, especialmente em período eleitoral. Será possível um dirigente empresarial acreditar nisso?

Mais claro e mais sensato foi o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira: defender maior tolerância à inflação, nesta altura, é um "gigantesco desserviço à sociedade brasileira".




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