Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, novembro 22, 2005

EDITORIAIS DA FOLHA DE S PAULO



PLANO HUMORÍSTICO
Em 2002 , durante a campanha eleitoral que terminou com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PT apresentou aos brasileiros um documento intitulado "Combate à Corrupção, Compromisso com a Ética". Entre os responsáveis pela elaboração dessa peça de marketing, destinada a fortalecer o ilusório sentido moralizador da candidatura petista, figurava o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu (PT-SP), hoje muito perto de ter seu mandato de deputado cassado pela Câmara.
Como já se observou em outras frentes do atual governo, a maior parte das mudanças prometidas durante a campanha foi abandonada após a posse. Segundo reportagem publicada ontem por esta Folha, das dez medidas mais relevantes do programa, apenas três foram integralmente postas em prática.
É significativo, por exemplo, que não tenha saído do papel a criação de uma agência nacional anticorrupção, a ser formada por representantes do Executivo, do Legislativo, do Judiciário, do Ministério Público e da sociedade civil, com amplos poderes para coordenar o combate aos desvios praticados na máquina pública e formular um "Plano Nacional Anticorrupção". Não só não se elaborou plano algum como a agência foi reduzida a um conselho ornamental.
Muitas outras decisões que poderiam contribuir para conter as irregularidades ficaram, na melhor das hipóteses, inconclusas. Foi o que ocorreu, por exemplo, com a proposta de criação de ouvidorias independentes nos diversos ministérios e com a promessa de ampliar a liberação dos registros e dados do Siafi (sistema informatizado de acompanhamento do Orçamento federal).
Diante das evidências de envolvimento do PT e de membros do governo numa miríade de ilicitudes, tendo como pano de fundo um projeto de captura do Estado, o plano poderia soar ao leitor de hoje como um texto humorístico -não fosse mais um dramático testemunho da abissal distância entre discurso e prática que marcou a ascensão de Lula à Presidência da República.

FREIO NA EXPORTAÇÃO
 
Nos últimos três anos, as exportações brasileiras apresentaram expressivas taxas de crescimento: 21% em 2003, 32% em 2004 e, provavelmente, mais de 20% em 2005, alcançando a cifra de US$ 117 bilhões. Esses resultados refletiram as acentuadas desvalorizações do real entre 1999 e 2003, avanços no agronegócio, mudanças nas estratégias das grandes empresas (que procuraram exportar para ocupar capacidade produtiva ociosa) e expansão da economia internacional.
Esse processo, todavia, já emite sinais de esgotamento. Embora avaliações como essa possam ser contrariadas por fatos inesperados, tudo indica que as exportações brasileiras tendem a se manter estáveis no próximo ano. Os setores que ainda projetam crescimento, como o de minério de ferro, esperam um aumento de no máximo 10%.
Essa deterioração das expectativas está associada, entre outros fatores, à expressiva valorização da taxa de câmbio, à queda do preço de commodities no mercado internacional e ao menor dinamismo do cenário externo. Para os produtores de automóveis, calçados, têxteis e outros bens de consumo, sujeitos a forte concorrência de outros países, a valorização cambial (em torno de 16% somente em 2005) responde por grande parte da desaceleração.
A perspectiva de estabilidade nas exportações representa piores resultados para os empreendimentos que postergam os investimentos. Os produtores de soja, por exemplo, estão endividados e, diante da atual cotação do real frente ao dólar, deverão reduzir a área plantada.
Como resultado desse quadro, o saldo comercial do ano que vem deverá diminuir, mas sem causar sobressaltos. A previsão é que fique em torno de US$ 35 bilhões. O que preocupa não é o superávit de 2006, mas a evolução desse processo nos próximos anos, que poderá colocar em risco conquistas fundamentais, como a redução da vulnerabilidade externa da economia brasileira.

VETO À CIÊNCIA Numa decisão um tanto preocupante, o procurador-geral da República, Antônio Fernando Souza, enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) parecer no qual se manifesta favoravelmente à ação direta de inconstitucionalidade (Adin) nº 3.510 cujo objetivo é derrubar o artigo da Lei de Biossegurança que autoriza as pesquisas médicas com células-tronco embrionárias.
Se a mais alta corte do país acatar a argumentação, a ciência brasileira sofrerá um sério revés, pois pesquisadores ficarão de mãos relativamente atadas para atuar em um dos mais promissores campos da medicina: a engenharia de órgãos e tecidos. O país também poderá ficar para trás na investigação das causas de moléstias degenerativas, como diabetes, mal de Parkinson e até cânceres.
Na verdade, Souza corroborou a opinião de seu antecessor no cargo, Claudio Fonteles, autor da Adin. O problema é que o ex-procurador, um católico fervoroso, agiu muito mais como homem de fé do que como homem público. Sua peça funda-se exclusivamente em teses de especialistas vinculados direta ou indiretamente à Igreja Católica, que, como se sabe, tem posições bastante firmes contra esse tipo de investigação.
Católicos e seguidores de outras religiões têm, como é óbvio, o direito de acreditar que a vida começa com a concepção. É uma posição nem melhor nem pior do que dizer que ela tem início quando o feto desenvolve um sistema nervoso, quando inicia seus batimentos cardíacos ou mesmo quando começa a respirar. Aliás, é só neste instante que, para a lei, ele adquire personalidade civil própria.
A liberdade religiosa é protegida pelo Estado, mas isso de modo algum significa que as crenças de um determinado grupo social possam ser impostas ao conjunto da sociedade. O STF precisa apreciar a Adin de uma perspectiva laica, ou poderá causar grande dano à ciência e à separação entre Igreja e Estado no país.

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