PALOCCI NO SENADO
Em seu depoimento à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, o ministro Antonio Palocci Filho exercitou as características que o transformaram na face mais elogiada do governo Lula. Com efeito, em quase nada o comportamento público do titular da Fazenda assemelha-se ao padrão de muitos outros petistas. Firme ao defender convicções, sabe ser um hábil diplomata quando quer aplacar conflitos e procura argumentar de modo racional, esmerando-se em conferir um tom sereno aos debates.
Essas virtudes, aliadas a uma boa dose de fortuna (a conjuntura internacional bastante favorável) e aos bem-vindos compromissos com a responsabilidade fiscal e a estabilidade monetária, transformaram Palocci numa grata surpresa para o empresariado e todos que temiam por retrocessos populistas na economia.
À luz do que poderia ter sido, a escolha do novo ministro foi recebida como uma dádiva. Apesar dos juros estratosféricos, da carga tributária crescente e da inação diante de situações perigosas, como a valorização da taxa de câmbio, fixou-se nas elites econômicas a convicção de que é melhor ter diferenças com Palocci do que correr o risco de aventuras.
Tem sido essa, de um modo geral, a mesma atitude da oposição, em especial a do PSDB -uma vez que o PFL, no afã de se apresentar como o verdugo do petismo, mostra-se mais disposto a encenar confrontos. Se tucanos de projeção, entre os quais o prefeito José Serra, têm divergências com linhas adotadas pela Fazenda, é evidente também que o PSDB considera preferível a manutenção do ministro enquanto alimenta a expectativa de voltar à Presidência em 2006.
Essa boa vontade oposicionista facilitou a tarefa de Palocci, que rebateu as críticas de Dilma Rousseff (Casa Civil) e enalteceu sua própria gestão, sem deixar de reconhecer conquistas do passado -o que só aumentou seu prestígio entre opositores do governo e reforçou sua filiação ao chamado "partido da economia".
Há fatos, todavia, que insistem em ressaltar os vínculos de Palocci com o Partido dos Trabalhadores -ele que tem sido alvo de denúncias sobre desvios na Prefeitura de Ribeirão Preto e que declarou ter participado "integralmente" de uma campanha presidencial cercada de suspeitas de uso de caixa dois. Quanto a isso, o ministro dificilmente escapará de um depoimento à CPI dos Bingos. Poderá, mais uma vez, sair-se bem e superar o desgaste, mas até lá continuará a trafegar em meio a turbulências.
OBRAS AO ABANDONO
É bastante grave o diagnóstico do Cadastro Nacional de Barragens acerca do estado das represas brasileiras. Segundo o órgão, criado pelo Ministério da Integração Nacional, há ao menos 20 barragens que correm sérios riscos de rompimento por falta de manutenção.
Há obras que não recebem verbas para reparos há quase 20 anos. No atual governo, em contradição com as promessas de que em 2005 a infra-estrutura receberia mais investimentos, o Departamento de Nacional de Obras contra a Seca (Dnocs) -o maior construtor de barragens do país- dispõe de apenas R$ 2,9 milhões para reparos, quando precisaria de cerca de R$ 30 milhões.
Esse cenário pode ser ainda mais sombrio, considerando-se o fato de que há no Brasil centenas de barragens médias e milhares de pequenas represas que não são objeto de nenhuma fiscalização federal.
Em condições como essas, não é necessário nenhum cataclismo para provocar um desastre. Bastam chuvas mais fortes para causar estragos consideráveis e colocar a população em risco. Exemplo disso foi o incidente ocorrido na Paraíba, em junho do ano passado, quando, após alguns dias de chuva, uma barragem rompeu-se, afetando seis municípios, matando cinco pessoas e deixando mais de 4.000 desabrigados.
Infelizmente, diante da restrição aos investimentos públicos, a solução desses problemas deverá continuar sendo adiada. Vai-se, assim, sucateando a infra-estrutura instalada ao mesmo tempo em que novos projetos esbarram em obstáculos para sair do papel. Situações como essa enfatizam a necessidade de uma ampla reformulação das despesas do Estado, que não raro gasta muito onde não deveria e segura recursos onde precisaria investir.
TORTURA TOLERADA
A tortura existe há séculos e, ao que tudo indica, continuará sendo praticada por muito tempo. Essa constatação apenas reforça a necessidade de combatê-la em todas as suas manifestações. O que se verifica, porém, é que, embora não cheguem a defender explicitamente essa prática odiosa, muitos dirigentes vão dando sinais de que a toleram.
O caso mais recente é o do ministro do Interior do Iraque, Bayan Jabr. Na tentativa de explicar o centro de detenção secreto mantido por sua pasta em Bagdá, Jabr não tergiversou para defender a tortura. Afirmou que o calabouço clandestino abrigava "alguns dos piores terroristas" e que "ninguém foi decapitado ou morto". Recorrendo às estatísticas, disse que apenas 7 de 170 presos apresentavam sinais de tortura.
Jabr não está sozinho. Na verdade, ele parece seguir os passos de seus "padrinhos" norte-americanos. O presidente George W. Bush, em visita ao Panamá, assegurou que os norte-americanos "não torturam". Mas a Casa Branca disse que vetará um projeto de lei apresentado pelo senador republicano John McCain que proíbe "tratamento cruel, desumano ou degradante a detidos sob custódia dos EUA". E há informações de que o escritório do vice-presidente Dick Cheney fez lobby para que os senadores ao menos isentassem os agentes da CIA da proibição.
É até possível discutir filosoficamente se a tortura deve ser permitida em casos extremos -por exemplo, para fazer com que um terrorista revele em qual escola infantil instalou a bomba-relógio que está a poucas horas de explodir. Mas esse é um debate que tem muito mais sentido teórico do que prático e não pode servir de pretexto para que a lei autorize a barbárie em nome do Estado. Nações que se pretendem manter no campo da democracia e da civilização precisam mostrar convincentemente que não toleram a tortura -e isso, obviamente, também se aplica ao Brasil.
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