Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 17, 2005

DORA KRAMER Palocci respira, mas não resolve

OESP

Ministro saiu-se bem na forma, mas foi inócuo no que interessa: o conteúdo O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, saiu-se conforme as expectativas: foi bem na forma e inócuo no conteúdo.

Como o que interessa é a substância, manteve-se aberta não uma brecha, mas uma larga avenida para a convocação do ministro à CPI dos Bingos.

Neste aspecto, configurou-se quase uma inutilidade a presença de Palocci ontem na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Para o governo, que não conseguiu alteração significativa no cenário.

Já a oposição pôde ganhar uma etapa de treinamento para o que parlamentares do PSDB e do PFL chamavam ontem de "segundo tempo", a substituição da etapa dos convites para a fase da convocação.

No geral, o ministro repetiu o desempenho de agosto passado, quando pela primeira vez respondeu longa e diretamente a questionamentos relativos à sua probidade como homem público e, de novo, se sobressaiu pelas boas maneiras.

No afã de mostrar-se humilde, porém, cometeu um deslize. Disse que não está "acima de qualquer suspeita", quando esta deveria ser, em condições normais de ambiência moral, a credencial básica para um ocupante de função de tamanha relevância e responsabilidade.

É possível que Palocci tenha se expressado mal e dito "acima de suspeita" querendo dizer "acima da lei". De qualquer forma, na atual conjuntura o ato nem chegou a soar como falha, foi ouvido com naturalidade.

Mais uma vez o ministro da Fazenda consolidou, a seu favor, o contraponto com o presidente Luiz Inácio da Silva na forma de abordar os problemas e lidar com o discernimento alheio.

Palocci envolve - e por que não dizer, ilude - o interlocutor/espectador não necessariamente por aquilo que é, mas pelo que dá impressão de ser: um homem despido de petulância e cinismo.

Mas, como não são suas habilidades formais que estão em jogo e, diferentemente de três meses atrás, a margem para tergiversações está bastante mais estreita, o ministro não provocou o esperado efeito de "virada da mesa".

Em relação às acusações propriamente ditas, fez por elas um passeio superficial, limitando-se a atribuir todos os seus infortúnios a embates políticos da província transpostos para o plano nacional e, em outras e mais amenas palavras, adotou a mesma tese da perseguição e agressão à lei por parte dos acusadores.

Até o início da noite, pelo menos, Palocci não tinha conseguido cumprir aquilo que, pela ênfase do apelo do senador Aloizio Mercadante - "fale sobre as denúncias ministro, responda a todas elas" - parecia ser a expectativa do governo.

A idéia, é evidente, era enterrar ao menos temporariamente o assunto, e esvaziar argumentos para a convocação de Palocci para a CPI.

Talvez o governo até tivesse alcançado esse objetivo não fosse a premência de o ministro sair do encolhimento e antecipar sua presença no Senado. Pega de surpresa naquilo que, ou interpretou sinceramente ou buscou taticamente transformar numa manobra, a oposição resolveu endurecer e não mais considerar a audiência marcada para o dia 22 como uma oportunidade para Palocci se livrar da convocação.

Bem ou mal, e ainda que sem resultados muito consistentes para o governo, o lance da antecipação da ida de Palocci não deixou de mostrar que o governo e o ministro não estão isolados no Parlamento.

Os senadores de oposição com toda sua experiência não conseguiram criar nenhum fato de impacto de última hora, visto terem sido mesmo surpreendidos, o ministro não foi ouvido no plenário com todo o simbolismo negativo que o quadro encerraria e os oposicionistas não conseguiram fazer os governistas caírem na armadilha de serem eles, com suas perguntas sobre denúncias de corrupção, a posarem de algozes do ministro da Fazenda.

Em compensação, ao cumprir o roteiro estabelecido, os adversários não puderam questionar o ministro em pontos essenciais. Por exemplo, quando Palocci foi enfático sobre a inexistência de dinheiro de Cuba, de Angola ou das Farc na campanha de Lula à Presidência, nada disse e nada lhe foi perguntado sobre o dinheiro de caixa 2 de produção genuinamente nacional.

Memória

Ontem na Comissão de Assuntos Econômicos, os senadores do PMDB Luiz Octávio e Romero Jucá formaram na ala dos defensores da urgência de o ministro da Fazenda esclarecer "à Nação" as denúncias que ligam o nome dele a práticas de corrupção.

Nenhum dos dois, entretanto, até hoje esclareceu de forma convincente à Nação as acusações de desvio de verbas públicas que atingem a ambos. Jucá é alvo de processo por autorização do Supremo Tribunal Federal e Luiz Octávio é investigado com aprovação unânime do Tribunal de Contas da União.

Indicado pelo Senado para uma vaga de ministro do TCU, Luiz Octávio não teve, por causa das acusações que pesam contra ele, condições morais e políticas para assumir.

Ainda assim, os senadores não viram impedimentos maiores em alçá-lo à presidência da Comissão de Assuntos Econômicos, que ontem recepcionou o ministro da Fazenda.

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