O GLOBO
O "habilidoso" ministro Antonio Palocci teve uma vitória política ontem em seu depoimento no Senado, que foi também sua derrota. Defendeu a política econômica com firmeza, e contestou pela primeira vez em público as críticas que recebeu da ministra Dilma Rousseff. Porém, ao levar a discussão basicamente para o campo econômico, a oposição manteve a possibilidade de convocá-lo para uma CPI, o que ele pretendia evitar comparecendo espontaneamente à Comissão de Assuntos Econômicos.
Palocci gostaria de ter sido mais argüido sobre as acusações que pesam sobre ele e sua equipe na Prefeitura de Ribeirão Preto, para tentar encerrar a crise política, mas não conseguiu.
O PSDB amanheceu ontem com a disposição de tratar bem o ministro da Fazenda, que na noite anterior havia mantido contato com alguns líderes tucanos negociando um questionamento "não agressivo". Ao contrário, o PFL amanheceu em Brasília pintado para a guerra, com a certeza de que o governo montara um golpe para evitar que Palocci seja convocado por uma CPI. A disposição inicial do PFL era de boicotar a sessão da CAE, mas não teve a solidariedade política do PSDB.
A estratégia de limitar as perguntas da oposição a assuntos econômicos foi um meio-termo que os aliados encontraram e acabou dando certo, mas mostrou que está ficando cada vez mais difícil que PFL e PSDB tenham uma posição comum na campanha presidencial. A intensidade da oposição dos dois partidos está ficando gradativamente mais distante. A cada vez que o presidente Lula se enfraquece diante da crise que o cerca, cresce a vontade do PFL de se colocar como o anti-PT diante do eleitorado.
Talvez por essa decisão da oposição, Palocci não tenha se dedicado tanto à sua defesa na fala inicial, abordando de maneira genérica as acusações de que está sendo alvo. Caiu em contradição ao dizer que não teve participação na tesouraria da campanha de Lula em 2002 para, em seguida, garantir que ela não recebeu dinheiro nem de Cuba, nem de Angola, nem das Farc.
Mais uma vez Palocci teve um cuidado excessivo quando se referiu ao ex-assessor Rogério Buratti, seu principal acusador de ter recolhido dinheiro de caixa dois para o PT na gestão da Prefeitura de Ribeirão Preto. E voltou a acusar o Ministério Público e a Polícia Civil de São Paulo de estarem promovendo "uma devassa" em sua vida por questões políticas. Ficou no ar a impressão de que Palocci teme atacar Buratti.
Não tendo tido o apoio formal do presidente Lula, que, sem o citar, se auto-elogiara pela manhã dizendo que o país nunca passou por uma situação econômica tão exuberante, Palocci teve mais uma vez que enfrentar críticas de seu próprio partido, através do senador Eduardo Suplicy, e recebeu o apoio de partidos da oposição, embora todos tenham ressaltado discordâncias com relação à intensidade ou o ritmo de certas medidas, como a redução da taxa de juros ou o nível do superávit primário.
Ao contrário de Lula, o ministro da Fazenda fez questão de dividir os êxitos da política econômica com governos anteriores, de Sarney, com o fim da conta-movimento do Banco do Brasil, à Lei de Responsabilidade Fiscal do governo Fernando Henrique, e com isso lançou as bases para uma discussão ampliada, dentro do Congresso, de um projeto suprapartidário de esforço fiscal de longo prazo, exatamente o ponto em que foi alvejado pela ministra Dilma Rousseff.
Com as dificuldades que encontra dentro do governo e dentro do PT para manter sua política econômica, Palocci resolveu fazer do limão uma limonada e partiu para conseguir apoio político junto à oposição. Quando se disse disposto a fazer elogios "rasgados" a seu antecessor, o ex-ministro Pedro Malan, que classificou de um homem público da mais alta qualidade, estava entrando em choque com o presidente do PT, Ricardo Berzoini, que fez uma crítica completamente sem sentido ao fato de Malan estar trabalhando em um banco, e está sendo processado por isso.
Sempre que teve oportunidade, o ministro Palocci enfatizou a necessidade de um projeto fiscal de longo prazo — chegou a falar em dez anos, mas se referiu aos "próximos três ou quatro governos", o que daria até mais 16 anos — que parece ser um plano ambicioso e politicamente delicado em um ano eleitoral. O presidente Lula, embora tenha reafirmado em várias ocasiões ultimamente sua decisão de não mudar a política econômica, procurou não criticar a posição da ministra Dilma Rousseff, que já tem se pronunciado em reuniões no Palácio do Planalto a favor de uma inflação um pouco maior, contra um superávit maior.
Palocci ontem rebateu diretamente as críticas, afirmando que "não estamos enxugando gelo" — expressão usada por Dilma. Voltou a garantir que, se aprovado um plano de longo prazo, os juros poderão cair mais rapidamente e a carga tributária ser reduzida. Ao contrário, se os gastos correntes do governo continuarem a crescer como acontece há dez anos, Palocci advertiu: a única solução será aumentar a carga tributária.
O fato relevante de ontem foi que Palocci pôde responder publicamente às críticas da ministra Dilma Rousseff à política econômica, e dar uma espécie de ultimato ao próprio presidente Lula: fica no governo desde que seja para executar essa política econômica, e não outra. E exigiu coesão da equipe de governo. Mas, como também ficou evidente ontem, Palocci já não é tão invulnerável. A crise política continua do mesmo tamanho que tinha antes do depoimento, e a oposição agora ficou na obrigação de convocar o ministro da Fazenda para uma das CPIs que continuarão funcionando até o início do próximo ano.
Entrevista:O Estado inteligente
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