Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 17, 2005

Dilma x Palocci - perde o Brasil Roberto Macedo

OESP

Na disputa entre a ministra-chefe da Casa Civil e o ministro da Fazenda, quem perde é o Brasil, pois ambos seguem caminhos que no conjunto mantêm a atual combinação de políticas fiscal e monetária que leva o País a um crescimento econômico medíocre.

Li a entrevista da ministra a este jornal, publicada na quarta-feira da semana passada. Sua visão fiscal assusta, pois aponta como rudimentar a idéia de um ajuste fiscal de longo prazo, numa argumentação realmente merecedora desse adjetivo.

Disse ela: "... para crescer é necessário reduzir a dívida pública. Para a dívida pública não crescer, é preciso ter uma política de juros consistente... porque senão... faço um superávit primário de um lado e aumento o estoque e o fluxo da dívida do outro." Além de reduzir a dívida pública não ser o mesmo que evitar o seu crescimento, é uma visão simplista em que tudo depende da política de juros. Depois, reafirma isso: "Afinal, o que leva a fazer o superávit primário? O pagamento de juros."

Ora, de fato, os juros são um dos gastos mais importantes do governo e se impõe reduzi-los, mas o déficit final que leva à ampliação da dívida também seria bem menor se o governo não expandisse tanto suas demais despesas.

O resultado primário é um conceito contábil (receita menos despesas, exceto juros) e outros poderiam ser criados. Por exemplo, o resultado SDP (receita menos despesas, estas sem os déficits previdenciários federais, o do INSS e da previdência dos funcionários). Dado esse conceito, para manter o déficit final no valor atual também seria necessário um superávit SDP. Mas seria errado concluir que esse déficit previdenciário é o único fator que gera essa necessidade, pois estaríamos escondendo outras despesas, como os juros que a ministra culpa isoladamente, sem enfatizar também os demais gastos.

Quanto a estes, a jornalista Suely Caldas, neste jornal, no domingo (B2), sem esgotar o assunto, referiu-se a exageros nas viagens de funcionários, ao Aerolula e a um governo que "inflacionou a máquina com companheiros do PT, criou milhares de cargos comissionados, sem concurso, permitiu que Legislativo e Judiciário engordassem salários com reajustes mirabolantes e descuidou de reduzir o déficit da Previdência".

Voltando a esse déficit (no caso, o do INSS), a ministra diminuiu-lhe a gravidade, afirmando que "não está aumentando a taxas crescentes", mas "a taxas decrescentes". Ora, o importante é que está crescendo. E, perguntada sobre o salário mínimo, cujo aumento real anual tem sido um dos ingredientes do déficit do INSS, desconversou: "Não acho que essa questão do salário mínimo seja o problema." Pode não ser "o" problema, mas é sério e deverá sofrer novo agravamento, pois o próximo reajuste será decidido num ano eleitoral.

Para resolver seu crônico problema fiscal, o governo deveria buscar primeiramente um superávit primário maior para evitar o crescimento da dívida. Com isso se afirmaria como bom devedor perante o mercado, pois diminuiria o seu risco e, assim, teria condições de conseguir ou mesmo forçar juros bem mais baixos. Estes estimulariam a economia e a arrecadação adicional seria reorientada para gastos que representassem um significativo aumento dos investimentos relativamente às demais despesas. A dificuldade do governo está em que o ministro Palocci não consegue viabilizar o passo inicial diante da gastança, enquanto a ministra Dilma quer investir mais sem conter as demais despesas, assim inviabilizando ainda mais o processo de ajuste.

Em síntese, sua entrevista mostra empenho em criticar um superávit primário acima de 4,25%, em gastar recursos que o governo amealhou acima dessa meta e em atribuir aos juros todas as culpas pelo que se passa do lado da despesa, sem maior referência aos seus demais itens nem à asfixiante carga tributária que sustenta o conjunto dos gastos, ainda assim com um déficit final. Com o governo a gastar sempre mais, parece que sobra dinheiro, mas, indagada sobre qual a sobra, a ministra respondeu "Eu não vou dizer qual é ..." Nem poderia dizer, pois não há sobra alguma, exceto um déficit final que aumenta a dívida.

Quanto ao ministro Palocci, antes de vir à tona seu passivo ribeirão-pretano ele era louvado por suas virtudes, como a cordialidade, a capacidade dialogar e a de assegurar perante o presidente Lula que a desastrosa cartilha fiscal petista não fosse praticada em sua totalidade. Mas essas virtudes não são suficientes para resolver o impasse da política que gerencia. O superávit primário permanece aquém do necessário e não tem a marca da autêntica austeridade, pois é prejudicado por um governo gastador.

Nesse impasse, o ministro também é refém do Banco Central, que confunde independência com arrogância e prepotência na gestão de uma política de juros na qual é permanente o viés de altos valores para a taxa básica.

Em última análise, a responsabilidade da gestão macroeconômica é do ministro, mas, além do impasse fiscal, de concreto ela mostra um crescimento pífio e dois preços macroeconômicos, a taxa de câmbio e a de juros, claramente fora do lugar, no sentido de que alimentam a continuidade de um crescimento longe de satisfatório.

Vendo os dois ministros nesse jogo de erros, o quadro se agrava pela presença de um árbitro, o presidente, sem condições de discernir e definir rumos, nem de escolher sua equipe de forma coerente com eles. Isso a ponto de termos de aturar esse deprimente espetáculo de um ministro a disparar "fogo amigo" contra o outro, sem que o presidente se defina. Não sei quem ganhará a disputa, mas certamente o Brasil continuará como perdedor.

Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA), pesquisador da Fipe-USP, professor associado à Faap, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda

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