Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 17, 2005

AUGUSTO NUNES Parecer erudito elide a roubalheira

JB



"Ainda não", respondeu na segunda-feira, em tom distraído, o deputado Ibrahim Abi-Ackel. O repórter que lhe perguntara se o relatório da CPI do Mensalão estava pronto ficou intrigado. E lembrou-lhe que os trabalhos da comissão seriam encerrados na quarta-feira, 16 de novembro. O parlamentar do PP mineiro imprimiu no rosto o vinco da surpresa. "Já?", perguntou com voz de espanto. "Eu tinha esquecido".

A CPI corria o risco de terminar sem relatório? Como produzir em 48 horas um documento tão relevante? Abi-Ackel desmontou as interrogações com um sorriso superior legendado por poucas palavras: "Isso não é problema, tenho tudo na cabeça". Bastava ditar o texto à digitadora, com a fluência que lhe valeu o título de "Patativa de Manhuaçu".

Abi-Ackel, hoje com 77 anos, nasceu em Manhumirim, perto da cidade que seria seu berço político. Em Manhuaçu, o advogado formado no Rio elegeu-se vereador em 1955. Logo consolidaria a fama de mineiro sabido. Nos palanques, a calvície precoce só perdia em brilho para o vocabulário de escritor do século 19. A discurseira soava tão bonita que, mesmo sem saber o que ouvira, o povo votava no candidato.

Deputado federal desde 1971, só ficou longe da Câmara quando remetido à fila de espera dos suplentes ou, glória suprema, para servir ao regime dos generais como ministro da Justiça de João Figueiredo, no começo dos anos 80. Só então o Brasil conheceu o homem que capricha nos português.

Diz "elidir" em vez de "eliminar". Prefere "prolatar" a "adiar". Pelo menos uma vez tropeçou na erudição: em vez de "alvedrio" ("vontade própria, arbítrio", traduz o Aurélio), o então ministro tirou do colete o acento agudo e inventou um desconcertante "alvédrio". As elites gramaticais e ortográficas também têm seus dias de Lula.

Parecia o homem certo para a CPI do Mensalão, tramada pelo governo para desviar os holofotes concentrados na CPI dos Correios. Os parteiros resolveram batizá-la com um nome esperto: "CPI da Compra de Votos". O PT e a base aliada se haviam metido em patifarias? O o troco viria com a nova CPI.

A idéia era recuar no tempo e exumar o caso dos deputados que cobraram em espécie o apoio à reeleição presidencial. A máquina do tempo nem seria acionada. Ainda no início dos trabalhos, descobriu-se a Estação Mineira, inaugurada em 1998 pelo governador Eduardo Azeredo, sob o generoso patrocínio de Marcos Valério. Ali estacionara um trem-pagador que recolheu, entre os 60 passageiros-candidatos, Ibrahim Abi-Ackel e seu filho Paulo.

O relator lutou com bravura para salvar a pele da família. Conseguiu - e para tanto absolveu todo mundo, como sugere a essência do parecer, antecipada por Abi-Ackel na segunda-feira. Dirá que "parte do dinheiro usado nessas eleições tem origem ilícita, e serviu de pagamento de vantagens indevidas a deputados". Tradução: as patifarias não foram além do velho e bom caixa 2. É o que Lula diz.

O neologismo "mensalão" nem entrará no relatório. "Não tenho certeza de que foram feitos pagamentos mensais", explica. E a compra por atacado? O presidente do PL, Waldemar Costa Neto, embolsou comprovadamente R$ 10 milhões valerianos. é um exemplo entre muitos. "Não conseguimos reunir provas suficientes para apontar crimes e criminosos", desconversa o relator.

O parecer seria menos bisonho se remetesse ao Conselho de Ética o petista gaúcho Paulo Pimenta. É aquele deputado que teve de renunciar à vice-presidência da CPI depois de flagrado na garagem do Congresso negociando papéis fraudados com Marcos Valério.

[17/NOV/2005]

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