Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, abril 21, 2005

Palocci quer ir além -PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.




Dizem que o ministro Palocci não faz mais do que dar continuidade à política do seu antecessor. Alguns, mais exaltados, querem considerá-lo um mero e reles plagiário do ministro Malan.
Não é bem assim. Palocci é ambicioso. Ele e sua equipe querem ir além. A sua meta, tudo indica, é completar e aprofundar o trabalho iniciado por Malan e cia.
Por exemplo: Palocci deseja que o Congresso aprove a autonomia formal do Banco Central, estabelecendo mandatos fixos e longos para o presidente e demais diretores do banco.
Malan era mais reticente. Durante os oito anos em que ocupou o cargo de ministro da Fazenda, nunca deu sinais perceptíveis de interesse pela autonomia do BC. Nesse período, ocorreram quatro trocas de presidente do BC, três delas em meio a fortes turbulências do Plano Real. Malan sobreviveu. Na prática, ele era o único da equipe econômica de FHC que desfrutava de efetiva estabilidade no emprego.
Palocci (não se sabe bem por quê) vem insistindo no tema. Os seus argumentos têm sido rarefeitos. Não vão além da repetição de shiboleths de circulação internacional. O ministro quer o BC mais independente do poder político eleito. Pretende isolá-lo de influências políticas supostamente perniciosas. Isso se faria, fundamentalmente, retirando do presidente da República o direito de substituir diretores do BC.
Vale a pena? Há muita resistência à idéia. Ninguém abre mão de poder voluntariamente. O presidente Lula, imagino, deve ter as suas dúvidas. A ala política do governo também. No PT e em vários outros partidos, muitos julgam que o BC já tem poder e autonomia demais. Parece que a resistência é especialmente forte na Câmara dos Deputados.
O ministro da Fazenda resolveu então deslocar a discussão para o Senado. Estimulou a realização de uma série de audiências públicas com economistas brasileiros e presidentes de bancos centrais estrangeiros que já desfrutam de autonomia formal. Para a primeira dessas audiências, que ocorreu anteontem na Comissão de Assuntos Econômicos, compareceram o economista Edmar Bacha e o presidente do sindicato dos funcionários do BC, Sérgio Belsito. Por requerimento do senador Suplicy, eu também fui convidado.
O debate foi muito interessante e contou com intervenções instigantes dos senadores César Borges, Rodolpho Tourinho, Ana Júlia Carepa, Eduardo Suplicy, Garibaldi Alves Filho e Arthur Virgílio. O tema da autonomia do BC já está presente no Congresso há muitos anos. Diversos parlamentares desenvolveram compreensão acurada da sua complexidade e de suas implicações econômicas e políticas.
Como seria de esperar, estabeleceu-se uma polêmica. Entre os expositores, Bacha era o único sintonizado com as posições que vêm sendo defendidas pelo ministro Palocci. Os senadores estavam divididos, mas ninguém defendeu a autonomia com grande convicção. Alguns fizeram críticas bastante enfáticas. Como resumiu o senador César Borges, há muito mais dúvidas do que certezas sobre o tema.
As dúvidas são muito saudáveis. Diferentemente do que se afirma com insistência no Brasil, e em particular no Ministério da Fazenda, não há consenso técnico sobre o assunto. Como admitiu Bacha, a autonomia do BC é uma espécie de "bossa nova", uma tendência internacional relativamente recente. A fundamentação teórica e empírica da autonomia é frágil e tem sido questionada em diversos estudos e pesquisas. Por limitações de espaço, não vou citá-los agora, mas disponho-me a dar as referências aos leitores que entrarem em contato comigo.
Na realidade, a independência ou autonomia do BC é um aspecto de uma questão maior: em que medida é conveniente retirar certas decisões e atribuições da órbita política, das mãos dos políticos eleitos, e delegá-las para economistas ou outros tecnocratas não-eleitos, protegidos por mandatos fixos e longos?
Quem cuidará melhor do interesse público? O economista ou o político?
Escolha de Sofia. O brasileiro aprendeu, por duras experiências, a desconfiar de um como de outro.
A discussão vai continuar. Mas, pelo que pude sentir no Senado anteontem, o ministro Palocci não irá longe se insistir em usar chavões e propor a simples aplicação de modelos estrangeiro
FOLHA DE S PAULO

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