Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 02, 2005

VEJA on-line Diogo Mainardi:Quero ser imortal

Não. Não aceito morrer. A idéia da morte podia ser encarada com uma certa filosofia até pouco tempo atrás. Agora já não pode mais. Os cientistas fizeram um trato conosco. Prometeram descobrir a cura, em cinco ou dez anos, para males que hoje são considerados incuráveis. Em troca, pediram somente uma montanha de dinheiro para financiar suas pesquisas, além de plena liberdade para retalhar alguns embriões. Nós lhes demos ambos. Se os cientistas não cumprirem sua parte, haverá um revertério danado. A expectativa que eles geraram foi alta demais. A humanidade será tomada por uma assustadora onda de irracionalismo. Começando por mim. Pretendo invadir laboratórios e quebrar tudo o que encontrar pela frente.

A questão é que muitos doentes não podem esperar cinco ou dez anos pela cura. A internet é o território deles. Trocam o tempo todo informações sobre os avanços médicos. Os parkinsonianos comemoram a pesquisa israelense que curou ratos parkinsonianos com células-tronco embrionárias. Os paraplégicos examinam a pesquisa americana que curou ratos paraplégicos com células-tronco embrionárias. Os infartados debatem sobre a pesquisa australiana que criou tecido cardíaco com células-tronco embrionárias. Se a gente fosse rato, muito já estaria resolvido. Como a gente não é, milhões de doentes incuráveis são obrigados a viver num angustiante limbo científico. Eles não sabem se serão os primeiros beneficiários de novas terapias, ou os últimos a morrer. Os mais desesperados recorrem a clínicas particulares que oferecem terapias milagrosas com células-tronco embrionárias, em lugares suspeitos como Barbados e México. Outros procuram se candidatar para testes clínicos em países onde a pesquisa está mais adiantada, como China ou Coréia do Sul. A internet é o maior centro que existe para a arregimentação de cobaias humanas.

As células-tronco embrionárias concentram o interesse dos cientistas e dos doentes, mas não são o único campo de pesquisa da atualidade. O doutor Huang, de Pequim, alega ter desenvolvido um método inovador para o tratamento da esclerose lateral amiotrófica. Por 25.000 dólares, ele corta o nariz de um feto abortado, arranca-lhe o bulbo olfativo, cultiva em laboratório cerca de 1 milhão de células nervosas de sua mucosa, e as aplica no lobo frontal de seus pacientes. O método do doutor Huang não tem comprovação científica. Não importa. Sempre há novos pacientes à sua porta. A neozelandesa Willie Terpstra, por exemplo, foi operada por ele duas semanas atrás. Agora nós, internautas, podemos acompanhar cada etapa de sua reabilitação num blogue, praticamente em tempo real. Ela afirma que está falando e ingerindo melhor. Afirma também que um belga operado depois dela conseguiu dar os primeiros passos em dois anos. Não há leitura melhor, no momento. Se os relatos de peregrinação religiosa caracterizaram a literatura medieval, meu palpite é que os blogues de peregrinação médica irão caracterizar a literatura deste século. Quem sabe um dia pode até aparecer um outro Chaucer. Quem sabe.

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