O governo sangrou desnecessariamente em praça pública, até fazer o que o bom senso recomendava desde o início: já que estava perdida a chance de aumentar os impostos dos prestadores de serviço, por absoluta incapacidade da sociedade de absorver mais um aumento da carga tributária, deveria ter partido do governo, e não da oposição, a idéia de preservar o reajuste da tabela do Imposto de Renda, a parte "bondosa" da medida provisória.
Mas a equipe econômica exagerou na louvável disposição de manter o equilíbrio fiscal, a ponto de ter gerado um dos movimentos mais esdrúxulos já vistos em um plenário da Câmara.
O governo tentou mobilizar sua base parlamentar para derrotar sua própria medida provisória, e não conseguiu. Há quem diga que o PT só é bom mesmo de mobilização parlamentar quando se trata de obstruir os trabalhos, e foi o que se viu nos últimos dias, uma base parlamentar descoordenada, que não conseguiu unidade nem mesmo para derrotar a si mesma, mas teve capacidade de impedir as votações por ausência.
O fato é que estamos assistindo a uma nova faceta de uma disputa histórica dentro do PT, entre os que priorizam os resultados eleitorais, classificados pejorativamente de "eleitoreiros", que agora brigam entre si e também contra os "ideológicos", aquela ala mais à esquerda do partido que volta e meia pretende mudar os rumos da economia.
Essa disputa já existia dentro do partido mesmo quando não era poder, e foi transplantada para o plano federal com a eleição de Lula. Entre os "ideológicos" podem ser identificados alguns ministros que andaram balançando na reforma ministerial que Dirceu coordenou e não houve, como Miguel Rossetto, do Desenvolvimento Agrário, e Olívio Dutra, das Cidades. E alguns já deixaram o governo, como o ex-assessor especial Frei Betto.
Na luta simbólica, foi defenestrado o ex-presidente do BNDES Carlos Lessa, que em determinado momento ganhou status de símbolo dos "ideológicos", que lutavam para derrubar os símbolos do poder financeiro do governo, como o secretário de Tesouro, Joaquim Levy, ou o secretário de Política Econômica, Marcos Lisboa. Retirar do governo figuras que, na concepção dos "ideológicos", representam a supremacia do financeiro sobre o social seria uma sinalização clara de Lula.
Mas, até o momento, os sinais de Lula são exatamente na direção oposta, de fortalecimento de Palocci e sua equipe. Na verdade, desta vez a situação política é mais intrincada, porque a votação da medida provisória ensejou uma disputa dentro do grupo dos "eleitoreiros", formado pelos membros da Articulação, que domina o partido e o governo.
Com os bons números da economia nas mãos, o ministro Antonio Palocci vem ganhando todas as quedas-de-braço com o chefe da Casa Civil, ministro José Dirceu, que continua sendo identificado como porta-voz dos "eleitoreiros", embora se irrite com esse rótulo. Vocalizando as preocupações dos políticos, Dirceu tem insistido em que é preciso compreender a percepção da opinião pública, mesmo quando ela possa estar errada a longo prazo. Os políticos trabalham a curto prazo, e não têm o sangue-frio dos burocratas para esperar os resultados.
O ministro Antonio Palocci, político convertido à burocracia fria dos números, garante que quando chegar a hora, isto é, a disputa pela reeleição, os resultados da economia se refletirão nas urnas. Tanto que o PIB per capita anunciado ontem aumentou ano passado 3,7%, o maior crescimento dos últimos dez anos, maior mesmo que a média do último século, que foi de 2,5% ao ano. Nas duas últimas décadas do século, a economia estagnada fez com que neste período o PIB per capita aumentasse pouco mais de 1,1%, apresentando quedas drásticas em alguns anos, e voltando a cair em 2003.
Mas a deterioração do clima político foi tão grande que, mesmo com a divulgação dos números do PIB, a equipe econômica não conseguiu convencer os líderes da base aliada de que seria preciso estabelecer desde já uma compensação para a aprovação do reajuste da tabela do Imposto de Renda. Se insistisse na tática de obstrução da votação, o governo deixaria que a medida provisória entrasse em vigor hoje, impondo um aumento de tributos aos prestadores de serviço até que novo projeto de lei fosse enviado ao Congresso.
Provavelmente essa era a solução preferida pelos técnicos da Receita, aos quais foi atribuída a tarefa de convencer os deputados da base aliada de que não seria possível aprovar o reajuste da tabela do Imposto de Renda sem a contrapartida fiscal. Até mesmo pela interlocução, vê-se que os aspectos técnicos estavam tomando a frente dos políticos, em uma inversão de valores que só favoreceria à oposição.
O governo tem dados que mostram que, com o aumento real de 5,2% do PIB, a carga tributária federal ficou estável em relação à de 2002 — 16,20% do PIB contra 16,34% — embora tenha subido em relação ao ano passado, quando ficou em 15,9% do PIB. O que para os técnicos é estabilidade, porém, para o bolso do cidadão comum é mais um aumento.
Ao contrário das últimas vezes, o ministro José Dirceu ganhou a disputa com Palocci. Agora, o governo vai mandar um projeto de lei que já está sendo tratado por sua base política como sendo contra a sonegação fiscal. Vai tentar do mesmo jeito aumentar a carga tributária em cima dos prestadores de serviço, classificando-os de sonegadores, para tornar a medida mais palatável junto à opinião pública. Vai ser uma outra briga política difícil de ganhar.
Entrevista:O Estado inteligente
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sexta-feira, abril 01, 2005
O Globo -Merval Pereira: Inútil desgaste
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