A despeito das versões de que o presidente Luiz Inácio da Silva voltará a cuidar da reforma ministerial tão logo passe o impacto negativo da recente e malfadada tentativa, a retomada da idéia por enquanto existe apenas no campo das hipóteses a respeito das quais muito se fala e pouco se sabe.
De concreto mesmo no Palácio do Planalto só existe a certeza de que Lula percebeu o risco de ser pessoalmente contaminado pelo método politicamente desarticulado e eticamente, no mínimo, discutível em que se deram até agora as tratativas do Governo com os partidos de sua base de sustentação.
Por isso, concluiu pela urgência de mudar o padrão do processo de tomada de decisões e de elevação do nível do relacionamento entre os poderes Executivo e Legislativo.
Dentro dessa linha, Lula pessoalmente decidirá quando, como e a partir de quais critérios fará as trocas de ministros consideradas eleitoral e administrativamente necessárias para assegurar chance de sucesso ao projeto da reeleição.
Uma questão, por exemplo, já está clara para o presidente: não se faz reforma ministerial a partir de um sistema quase de consulta pública entre os interessados nem se adota como parâmetro único de conquista de apoios a distribuição de cargos.
De acordo com avaliações internas do Governo, isso pode até obedecer à lógica das relações tradicionais ao menos no Brasil entre parceiros de uma formação governamental multipartidária, mas rende prejuízos inequívocos junto à opinião pública. E o eleitorado, em última análise, é o que interessa.
Se ele começar a perceber mal o governante, não adianta os políticos e os partidos estarem perfeitamente atendidos, pois, na hora do voto, são os primeiros a correr para o lado de quem estiver bem com a sociedade.
Por essas análises, não foi o ultimato do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, em favor de um apadrinhado para o Ministério das Comunicações, o fator preponderante na decisão de cancelar as mudanças.
A cena de Severino fazendo exigências públicas apenas traduziu – em dimensão de culminância – o absurdo do processo em curso e confirmou uma percepção (o Planalto não confirma se baseado em pesquisas) que o presidente vinha tendo a respeito da repercussão negativa na população.
Ali ficou evidente que era melhor pagar o custo político do cancelamento do que arcar com os prejuízos da sua execução. Ficou nítida também a impossibilidade de insistir nos procedimentos até então adotados.
O equívoco principal, avalia-se no Planalto, foi considerar que era possível agora fazer as mudanças usando os mesmos meios e modos utilizados na reforma de janeiro de 2004 que, de acordo como Governo, "deu certo".
Faltou aí talvez perceber que, um ano e quatro meses depois, a situação não era mais a mesma: o desgaste aumentara, a tolerância da população diminuíra e, por isso mesmo, os partidos já não se sentiam tão reverentes em relação ao poder e estavam muito mais desinibidos nas cobranças, desobrigados a manter sigilos das negociações em andamento e com um olho voltado para outras perspectivas eleitorais.
Ou seja, tratavam em tese com um Governo em início de fase final e não mais embalado na força eleitoral que levara Lula à presidência. Nesse quadro, ações governamentais, mudanças de ministros incluídas, requerem mais cuidado e atenção do principal interessado que, de agora em diante, pretende compartilhar menos e apostar mais na sua afamada intuição popular para decidir, em regime de centralização explícita, os rumos a seguir.
Amargo despertar
O Governo edulcorar os efeitos negativos do erro crasso da Medida Provisória 232 editando uma MP só para a correção da tabela do imposto de renda das pessoas físicas e dizer, com isso, que ouviu o clamor da sociedade, faz parte.
Mas terá de se empenhar um pouco mais para realmente convencer a opinião pública desses bons propósitos, dada a grandeza do engodo.
Nada, a não ser a comprovação com atos futuros e uma efetiva mudança de padrão como diz pretender o presidente Lula, será capaz de apagar das memórias os fatos. E estes – a propaganda em torno da correção do IR seguida da tentativa sub-reptícia de aumentar imposto, contando que a notícia positiva escondesse a negativa – não imprimem confiabilidade ao ambiente entre Governo e sociedade. Ao contrário, subtraem confiança dessa relação.
O Planalto e a Fazenda despertaram, mas não o fizeram por iniciativa própria. Não ouviram o clamor popular, foram antes sacudidos, levados a render-se – e com resistência, diga-se – às evidências num momento em que já se configuravam extremamente adversas.
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