Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 09, 2005

O GLOBO-Luiz Garcia:Sem queixas ao bispo


É inevitável que muita gente, no jornalismo e no clero, sinta-se na obrigação de escrever e falar sobre o Papa falecido e sua sucessão. Mas não custa ter cuidado: a Cúria Romana está de olho. Ela já fez saber, urbi et orbi , que a Igreja não vai permitir que a imprensa domine o período que antecede o conclave. Essas foram exatamente as palavras usadas por fonte anônima e poderosa lá de dentro. Ela também informou que há “alguma preocupação” com o que andariam dizendo cardeais do Terceiro Mundo.


Não se pode saber se essas palavras têm algo a ver com as entrevistas do pastor fluminense, o nosso Dom Eusébio Scheid. Primeiro, ele declarou, ainda no Brasil, que o próximo Papa deveria inovar e ser “um homem da mídia”. Chegando a Roma, soltou o verbo, em críticas e jogos de palavras, contra o presidente Lula.

Talvez seja boa idéia que alguém, entre os anfitriões romanos do cardeal, chame-o a um canto para uma palavrinha amiga, explicando, primeiro, que autoridades eclesiásticas, ou quaisquer outras, não devem falar mal do presidente de seu país no exterior; segundo, que ao desejar que o próximo Papa saiba gerenciar suas relações com a mídia, ele mostra não ter percebido, em todos estes anos, que João Paulo II, com sua bagagem de poeta, ator e escritor, sabia usar a mídia com grande intensidade e competência.

Só um exemplo: numa de suas passagens pelo Rio, a certa altura das celebrações ele exclamou, alto e bom som: “Se Deus é brasileiro, o Papa é carioca!” Maravilhosa declaração. Ela aquece o coração dos fiéis que a ouvem e ainda cabe certinho numa manchete de página, numa chamada de televisão. Esse é apenas um exemplo do uso inteligente — o que significa sem exageros e nunca falando o que não devia — que João Paulo II fazia de sua imagem. Já o nosso cardeal parece ter dado sinais de que não administra sua personalidade com grande competência. Pode ser que ela, como certos vinhos, viaje mal.

Enquanto isso, o nosso jornalismo laico, principalmente em jornais e TV, parece estar dando conta bastante bem da missão de falar muito sem dizer bobagem. A tal ponto que, vamos logo confessando, quem ainda não se manifestou dispõe de escasso terreno disponível para comentários originais e profundos: a porta da originalidade parece trancada para os retardatários. Sequer podemos, por ser obviamente impróprio, queixarmo-nos ao bispo.

Enfim, e como o Muro das Lamentações fica em outra religião, chega de choro. Sempre é possível fazer alguma observação aparentemente inteligente sobre o que tem acontecido estes dias em Roma. Por exemplo, o fato de que os rituais de velório e funeral não são imutáveis, diferentemente do código rígido que regula o conclave. Seria exemplo disso a novidade daquele cortejo que cruzou a Praça de São Pedro, levando o corpo de João Paulo II do Palácio Apostólico para a Basílica de São Pedro.

Certamente há algo poderosamente simbólico nessa travessia do mar de fiéis. Mas a mente tacanha tem de confessar que, ao ver a foto da cena, a primeira impressão foi sobre detalhe sem qualquer relevância, mas que invadia o primeiro plano: as solas dos sapatos do Papa falecido. Pois é: alguém já vira antes as solas dos sapatos de algum Vigário de Cristo? Hein?

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