Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, abril 20, 2005

Miriam Leitão:Aflições do mundo

Há 39 milhões de humanos aidéticos. Só em 2004, cerca de cinco milhões se infectaram. Na África subsaariana, a parte mais miserável do planeta, estão 25 milhões desses portadores do vírus da Aids; 64% dos infectados do mundo. Três milhões de pessoas morreram por causa da Aids em 2004, 2,3 milhões eram africanos. O que a Igreja Católica, que agora confirma sua escolha conservadora, tem a dizer aos 138 milhões de católicos africanos? Que não devem proteger sua saúde? Que não podem praticar o sexo seguro?
Plínio de Arruda Sampaio, veterano petista da ala esquerda do partido, e profundamente católico, não deixava entrever qualquer decepção com a escolha do novo Papa, da ala mais conservadora. Conformado, como convém a um bom católico, respondeu assim à minha pergunta sobre o que achava da escolha feita pelos cardeais: “O Espírito Santo sempre esteve conosco, não vai nos abandonar agora.”


João Paulo II não fez o sucesso que fez por ser conservador. A despeito do pensamento antigo em várias áreas, ele conquistou as paixões que o seguiram até à morte por ter inovado na relação com os fiéis. Saiu das salas suntuosas do Vaticano para viajar pelo mundo, visitar o coração da África, subir as favelas brasileiras, suar no Nordeste do Brasil. Falar diretamente às pessoas foi a grande revolução do Papa João Paulo.

A escolha de Bento XVI foi a escolha do poder burocrático do Vaticano que reinou por trás de João Paulo II. É a mesma corrente política, mas sem o carisma e a ousadia, atributos pessoais de João Paulo II. Como Ratzinger esteve o tempo todo próximo, tendo na verdade exercido o poder nos anos da enfermidade do antigo Papa, pode ter aprendido este caminho das pedras que deu prestígio a uma igreja que cada vez tem menos respostas para as aflições do mundo contemporâneo: a extraordinária capacidade de comunicação do Papa morto.

A suntuosidade, a pompa demonstrada nos últimos dias na eleição do Papa, mostrou, mais uma vez, como a cúpula da Igreja Católica se distanciou dos fundamentos de uma religião fundada por um Cristo jovem, pobre e simples. Mas essa é uma velha crítica à qual, há 500 anos, a Igreja responde com mais pompa, mais suntuosidade e mais ritualização dos cultos.

As escolhas conservadoras das religiões, qualquer que seja o credo, não respondem às urgências do mundo contemporâneo. A Igreja Católica, pelas estatísticas de que se dispõe, poderia concluir que, mais do que nunca, precisa de um aggiornamento que abra as janelas do Vaticano para as novas idéias.

Nos últimos tempos, a África foi o terreno mais fértil para a Igreja Católica, que lá deixou de ser a religião de apenas 1% da população para alcançar os 16%. Na Ásia, o percentual pulou dos 1,5% para 2,9%, no século passado, mas os estudiosos acham que, no século XXI, a Ásia — com exceção do Oriente Médio — será a região do mundo que mais verá crescer a sua proporção de católicos. Já a Europa, só perde fiéis. No caso das Américas, sobretudo na América Latina, o crescimento das religiões evangélicas, que não ocorre somente no Brasil, tem preocupado bastante a Igreja Católica.

No Brasil, a despeito do enorme sucesso das três visitas do Papa João Paulo II, o percentual de católicos caiu nove pontos percentuais só entre os dois últimos censos. E olha que no Brasil a maioria diz que é católico por inércia. O percentual dos “praticantes” é bem menor. Ela está perdendo espaço exatamente na área dos pobres brasileiros. E não apenas aqui. É fenômeno mundial.

Os anos 70 viram uma mudança importante da Igreja no Brasil. Quando houve um endurecimento do regime militar no país, a Igreja esteve ao lado dos torturados e prisioneiros do pensamento. A maioria era, até pela natureza do pensamento de esquerda, não religiosa, mas ela foi às prisões. Foi na Igreja da Sé que os brasileiros choraram alguns dos seus mortos daquela época. Foi Dom Paulo Evaristo Arns que liderou o trabalho de expor os documentos dos próprios tribunais militares no livro que virou referência: o “Tortura nunca mais”.

A hora é de ouvir alguns desses velhos prelados para indicar o caminho para as novas buscas de respostas às aflições do planeta. Dom Paulo disse recentemente que é preciso mais democracia interna.

Nenhum integrante da corrente progressista faria qualquer revolução na Igreja. Pela sua própria natureza de instituição milenar, ela se move devagar. Mas deveria se mover, nem que fosse milimetricamente, na direção de renovar preceitos, mudar anacronismos, como a proibição das mulheres no sacerdócio, o celibato dos padres, o veto às pesquisas com células-tronco. Se quiser falar ao mundo atual, o novo Papa terá que ir além das suas idéias e encontrar o caminho para renovar a instituição, mantendo a doutrina. Esse continua sendo o desafio da Igreja.

O Globo

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