ISTAMBUL, Turquia. Antes de viajar para a Turquia, onde participei de um simpósio sobre a relação do Islã com o Ocidente, organizado pela Academia da Latinidade, recebi um telefonema do vice-governador Luiz Paulo Conde, que se mostrava inconformado com a retomada da discussão sobre a desfusão do Estado do Rio.
Além do fato de que não interessa ao governo do estado que essa discussão prospere, Conde, como urbanista que já comandou a cidade do Rio de Janeiro, considera a discussão mal colocada pois, no mundo moderno, a solução das questões urbanas estaria “nas regiões metropolitanas” e não na criação de novos estados.
O vice-governador citou um trabalho do sociólogo francês Alain Touraine, um dos principais estudiosos do tema, em que ele diz que as grandes respostas para os problemas das sociedades modernas estão nas soluções dos conflitos sociais nas suas grandes cidades e nas periferias.
Em Ancara e Istambul, conversei com Touraine, que participou do simpósio da Academia da Latinidade, e perguntei o que ele achava da idéia da desfusão do Estado do Rio como maneira de encaminhar soluções para problemas como a violência.
Ele não sabia da discussão que se desenvolve no Rio, mas a primeira pergunta que fez foi: “E a Baixada Fluminense fica com quem?”. Quando lhe disse que o novo estado estava sendo planejado para abranger a mesma área do antigo Estado da Guanabara, Touraine sorriu e disse: “Se a divisão for para se livrar da Baixada Fluminense, sou contra”.
Touraine, que acompanha de perto a política brasileira e havia conversado dias antes com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em Paris — tema de minha coluna do dia 14 — também considera um erro pensar em dividir o estado para se livrar do grupo político do ex-governador Garotinho, cujo populismo classifica como um retrocesso perigoso para o projeto democrático brasileiro, que Touraine considera bem tocado nos últimos anos por Fernando Henrique e Lula.
Alain Touraine acha que o Brasil é um país metropolitano e que o governo Lula deveria se aprofundar na solução de questões como moradia, infra-estrutura de saneamento, educação, saúde, transportes, segurança pública, todas relacionadas com as grandes cidades, onde está a maioria da população brasileira.
Por achar que os temas urbanos são fundamentais para países como o Brasil, onde parte importante da população vive “em estado de exclusão, de desorganização”, e não os rurais, como os sem-terra, Touraine diz que a ação governamental deveria ser centrada no Rio e especialmente em São Paulo, cidade que conhece bem, onde “milhões de pessoas não têm proteção social”, um problema que, na visão do sociólogo, vai além do trabalho informal.
Para ele, as categorias fundamentais são as urbanas, as quais deveriam ser mobilizadas pelo governo, que para isso deveria se aproveitar da sua experiência de organizações sindicais e da própria imagem carismática de líder popular de Lula. Touraine acha que sem a mobilização da sociedade, não será possível ao governo enfrentar esses problemas.
Essa questão das regiões metropolitanas também está na agenda dos defensores da desfusão, já que muitos dos problemas que a cidade do Rio de Janeiro sente hoje, e ficou patente isso na crise da saúde, são causados pela busca de atendimento na capital por moradores dos municípios vizinhos, especialmente os da Baixada Fluminense.
Os defensores da desfusão consideram também que seria possível organizar de maneira menos burocrática e mais moderna, começando do zero, o relacionamento da nova cidade-estado com seus vizinhos. Até recentemente, o país não possuía mecanismos para incentivar ações municipais conjuntas e as muitas iniciativas em curso são precárias em termos jurídicos.
A regulamentação do artigo da Constituição que prevê os consórcios, divulgada no início do mês, pode dar condições para que, nas regiões metropolitanas, os governos municipais possam assumir em conjunto os serviços comuns como transporte coletivo, saúde, educação e resolver questões como o uso do solo urbano, saneamento, água e esgoto.
A regionalização das atividades governamentais é a resposta moderna aos problemas metropolitanos, segundo os especialistas, e já existem mesmo experiências informais em municípios brasileiros, que começaram a se consorciar com os vizinhos, mesmo sem mecanismos legais, para resolver problemas específicos como lixo e saneamento básico.
Um dos grandes problemas comuns em São Paulo é a utilização da bacia hidrográfica, porque a água que serve a vários municípios tem que ser tratada em conjunto. Os consórcios podem ser criados para compartilhar até mesmo serviços de justiça e segurança pública, por exemplo, mas questões burocráticas impediam, até a regulamentação da lei, a criação de hospitais intermunicipais. Agora, somente a cultura política individualista será responsável pela não solução de questões comuns.
***
A Inglaterra faz parte da União Européia, ao contrário do que uma frase mal construída deu a entender em uma coluna do fim de semana, onde se discutia a entrada da Turquia na comunidade. Apenas não aderiu ao acordo monetário, mantendo a libra em vez de aderir ao euro. E pode também não ratificar a constituição no plebiscito marcado para o próximo ano, como parece ser, no momento, a tendência da opinião pública britânica.
O Globo
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