Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, abril 20, 2005

MAURO SANTAYA NA:A conspiração da tolerância



Provavelmente nunca haverá, na Terra, sociedade política incorrupta. Como todas as coisas humanas, a ética é permanente conquista da vontade. Quanto maior consciência ética houver no conjunto da sociedade, mais fácil será construir governos honrados, e quanto menos honrado for o governo, mais fácil será a corrupção de toda a sociedade. Advertem pensadores antigos que os governados acompanham e seguem o comportamento dos governantes.

O comportamento ético do governo é condição indispensável ao bom desempenho administrativo. Comecemos pela idéia central, nem sempre motivo de reflexão: a dos tributos. Os governos agem bem, quando combatem a sonegação fiscal. Mas faltam à ética, quando gastam mal o que arrecadam. Há muitas formas de gastar mal. A principal é remunerar seus títulos com juros altos, sob o pretexto de combater a inflação. Com isso transferem renda de toda a sociedade para poucos privilegiados, nacionais e estrangeiros. Ao dissipar assim, e em outros atos, os recursos arrecadados, que são parcelas de tempo e trabalho dos contribuintes, o governo estimula a sonegação e, ao permitir que esses recursos escorram do Erário pelos dutos do peculato, incita à desobediência civil e ao crime comum. Quando se furta do Estado, todos nós somos roubados.

Na atualidade brasileira parece prevalecer a conspiração da tolerância. Muitos têm sido os acusados, e poucos, muito poucos, os punidos. Para cada processado e punido, como o juiz responsável pelos desvios do TRT de São Paulo, apanhado mais por incompetência operativa do que pelo delito em si, deambulam, pelos salões iluminados e pelos corredores do poder, dezenas de corruptos e corruptores. Esse é mal antigo, que alguns (e o argumento foi usado em defesa de P.C. Farias) atribuem à nossa cultura. Os indígenas, menos os que se aculturaram, podem perguntar: cultura de quem, caras pálidas? A mesma pergunta podem fazer os trabalhadores, negros e brancos, que nascem, vivem, esfalfam-se e morrem, sem um só dia de alegria e de paz. Furtar do Estado não é da nossa cultura, da cultura de nosso povo, mas da cultura dos burocratas, representantes da Coroa Portuguesa, fustigados, já no século 17, por Gregório de Matos Guerra e pelo padre Antonio Vieira. E como desses burocratas da colônia surgiu a burocracia do Império, convertida, pelo que roubaram, em muitas das oligarquias dominantes, continuamos a sofrer do mal até hoje. Toda tolerância é, nesse caso, cumplicidade. Cumplicidade e estímulo ao crime.

O governo se encontra com problemas a resolver nesse campo, e quase todos vindos do passado. Seria conveniente tolerar pessoas acusadas de peculato, em nome de acordos políticos que visam a construir maiorias parlamentares, como fez sempre o governo Fernando Henrique, ou seria melhor dispensá-las logo? O eixo central dos governos é a sua legitimidade. A legitimidade não é adquirida, de uma só vez, nas urnas. Ela é confirmada, todos os dias, pela confiança dos cidadãos. É essa confiança, permanentemente aferida, que assegura a estabilidade dos governos. É certo que ninguém pode ser punido sem provas, mas, a exoneração de um membro do governo não é sentença judicial, nem libelo acusatório, e, sim, fato político. Ser ministro não é um direito. Os ministros são escolhidos e exonerados ad nutum, como ato rotineiro dos governos.

Acresça-se ainda a morosidade da Justiça, emperrada pelas excessivas cautelas processuais. Se Francisco Lopes, presidente do Banco Central que socorreu Cacciola com o dinheiro público, houvesse permanecido no cargo, à espera da Justiça, ali estaria até ser condenado, o que só ocorreu recentemente.

O ministro Romero Jucá serviria melhor ao país se solicitasse já a exoneração, a fim de que se dissipem as dúvidas. Depois que se provar que sua conduta foi honrada, e não somente legal, se o presidente o reconvocar, tudo bem. Em política não prevalece o princípio do Direito Penal, de que a dúvida absolve o réu. Ao contrário. A dúvida, em política, sempre condena o suspeito.


JB Online

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