Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, abril 21, 2005

MAURO SANTAYANA:A volta ao natural





A decisão do Supremo Tribunal Federal, no caso dos hospitais do Rio de Janeiro, irá causar algum descontentamento, até que possa ser entendida em sua razão essencial. Trata-se de um sinal de que o STF está atento à grave questão da arquitetura federativa brasileira.

Depois dos 21 anos de centralização ditatorial do poder e das hesitações na reconstrução do estado democrático, está sendo difícil retornar ao pacto de 1891. O exame da História demonstra que a federação não foi adotada já com a independência e sob a monarquia, em razão da advertência de Nicolau Vergueiro nos debates iniciais da Assembléia Constituinte de 1823: naquele momento em que a América do Sul redefinia suas fronteiras, a autonomia provincial poderia levar à desintegração política do território.

A advertência era pertinente. As revoluções descentralizadoras, da Revolução Pernambucana, de 1817, à Praieira, também em Pernambuco, em 1848, se, por um lado, demonstravam o ânimo federativo, pelo outro, naquelas horas iniciais, traziam o grave risco das secessões. A partir do Manifesto Republicano de 1870 ficou claro que o Brasil não cabia na camisa de força unitária. O próprio manifesto, já no seu preâmbulo, lembrava a vocação federalista do Brasil e marcava o seu início no movimento da Inconfidência, relembrado ontem em Ouro Preto. Sob a influência da América Inglesa - como aos Estados Unidos se referia Tiradentes -, os conjurados já vinculavam o sistema federativo à independência.

Orador oficial nas cerimônias de ontem em Ouro Preto, Mário Soares fez um belo discurso, em homenagem a Tiradentes e a Tancredo Neves. Duzentos e treze anos depois da morte do Alferes, um eminente homem de Portugal que, como Presidente da República, revogou o labéu de infâmia imposto por Dona Maria I ao herói, vai a Ouro Preto, a fim de reafirmar o seu apreço pelo mártir. Com o seu gesto, Portugal reconhece a importância histórica do herói, que alguns "historiadores" nativos pretendem negar.

Ao recusar fundamento constitucional à intervenção federal no Rio de Janeiro, os ministros do Supremo não manifestam indiferença ao sofrimento de sua população pobre, nem interferem nas disputas políticas que começam a perturbar o processo sucessório. Mandam cumprir a Constituição. E se o Supremo for chamado a pronunciar-se sobre alguns mamutes insepultos, como é o caso da privatização das empresas e bancos estaduais, das CIDs e da evolução da dívida dos estados, que, quanto mais amortizada, mais cresce, esperam-se decisões de igual natureza. Todas essas medidas centralizadoras são violações frontais do pacto federativo.
Os senadores vitalícios
O senador Arthur Virgílio, líder do PSDB, enviou carta a este colunista, a propósito do texto, aqui publicado segunda-feira, de crítica a emenda de sua autoria para a criação do cargo de senadores vitalícios destinados aos ex-presidentes, e que ele decidiu retirar da Mesa. Arthur Virgílio reconhece o problema institucional, mas reafirma que, sem voto, os ex-presidentes não iriam perturbar o equilíbrio federativo, enriqueceriam o Parlamento e rejeita a suspeita de que a emenda pudesse servir para evitar tropeços à vida dos ex-presidentes e blindá-los contra eventuais denúncias. A coluna reafirma que se trata dos fundamentos da Federação. As circunstâncias são volúveis, mas as constituições devem ser duradouras e impessoais. Voz e voto se confundem na semântica e no efeito: 4 vozes e 3 votos em favor de um estado desequilibram a Federação: são muito mais do que 3 votos. E vozes sem a legitimidade eleitoral.

O senador Arthur Virgílio situa suas razões no interesse nacional, e a coluna não tem como negar a honestidade de seu propósito. Infelizmente o espaço não permite a reprodução de sua carta, elegante e reveladora de seu reconhecido talento político. Como as citações, fora do contexto, são sempre perigosas, fica o registro de seu gesto, com o agradecimento do colunista às referências generosas do senador.

JB

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