Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, abril 19, 2005

LUÍS NASSIF:A furreca do PT e do PSDB





Nos anos 60, o escritor Fernando Jorge publicou um conto do qual, ainda adolescente, me lembro bem. Um taxista abalroa um Cadillac no túnel Rebouças. Embora culpado, o taxista sai do carro e faz um discurso ideológico retumbante contra o ricaço. É aclamado pelo público, sai em reportagens de jornal e é eleito vereador. Sua carreira termina quando seu táxi é abalroado no mesmo lugar por uma furreca velha, cujo dono se defende com um discurso do mesmo teor, contra o "privilegiado" do taxista, que tinha um carro mais novo que o seu.
A furreca do PT e do PSDB se chama evangélicos. E o sinal -que passou algo desapercebido nas últimas eleições municipais do Rio- foi a aliança do candidato evangélico, senador Marcelo Crivella (PL), com setores desgarrados da esquerda nacionalista. É dessa mistura que poderão surgir surpresas nos próximos anos.
O quadro político que se tem hoje é de desagregação. O PSDB falhou na construção das condições para o desenvolvimento, e o PT vai pelo mesmo caminho. Ambos são os últimos herdeiros de uma tradição político-ideológica que está se esfumando. Fernando Henrique Cardoso e Lula enfrentaram a ditadura e fizeram parte da geração da sociedade civil paulista organizada. Esse modelo fracassou. Incluam-se nele outros agentes políticos relevantes, como a imprensa, as lideranças intelectuais, os economistas e outras categorias que fazem parte do processo de consolidação das ideologias.
Hoje, o que há são os chamados movimentos populares gradativamente saindo da órbita do PT, a classe média desorientada e, por enquanto, tendo de escolher entre dois atores já conhecidos -FHC e Lula.
Os evangélicos são o único grupo organizado novo do país. Falta-lhes o discurso político. Desde os anos 70, com a mesma falta de complexo de inferioridade intelectual do baixo clero, lograram se impor sobre três grandes grupos institucionalizados. Primeiro, sobre os cultos africanos no Rio de Janeiro. Depois, enfrentaram a Igreja Católica e, a cada dia, tomam-lhe mais fiéis. Finalmente, entraram no terreno da mídia, enfrentaram um jogo pesado, mas conquistaram seu espaço.
Existe uma bancada de evangélicos que tem, em comum, o fato de ser composta de evangélicos. Com a aproximação com essa esquerda nacionalista e os movimentos populares -ainda muito incipiente, é verdade-, o movimento muda de figura.
Em condições normais de temperatura e vôo, com partidos políticos representativos e o espaço político convenientemente ocupado, provavelmente eles continuariam sendo os empreendedores da fé, com sua visão de mercado, de cliente. Com o vácuo político que se armou, podem ser tentados a outras aventuras.
Por enquanto, o representante maior desse movimento é o ex-governador fluminense Anthony Garotinho. Pode ser que surjam outras lideranças expressivas.
Religião e política nunca deram boa mistura. Mas, para impedir que esse processo seja deflagrado, seria necessário que as lideranças políticas convencionais demonstrassem uma capacidade até agora inexistente.
Folha de S.Paulo

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