Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, abril 19, 2005
Façam o que eu digo...
Ana Maria Pacheco Lopes de Almeida
A mistificação não tem limite. Lula defendeu, ontem, a permanência de Romero Jucá na Previdência reclamando que "tem muitas insinuações" contra ele. Quem diria! Menos de dois meses atrás, foi Lula quem fez insinuações levianas ao "confessar", em comício, ter abafado corrupção nas privatizações do governo FHC. Como fonte, citou um misterioso "alto companheiro". Lula insinuou, jogou lama a esmo, não apresentou provas e foi desmentido pela suposta fonte, o ex-companheiro Carlos Lessa. Seus bate-paus remendaram a leviandade alegando que Lula não havia dito o que disse e que a TV mostrou a todo o país.
Vamos recordar as insinuações de Lula, relatadas pela Folha de S. Paulo de 25 de fevereiro.
"Sem citar nomes, Lula disse que o episódio ocorreu quando um 'alto funcionário' de seu governo, 'que exerce função muito importante', foi prestar contas da situação econômica da instituição que acabara de assumir.
Ele [o funcionário] me dizia simplesmente o seguinte: 'Presidente, a nossa instituição está quebrada. O processo de corrupção que aconteceu antes de nós foi muito grande. Algumas privatizações que foram feitas em tais lugares levaram a instituição a uma quebradeira', disse Lula.
A afirmação foi feita em discurso de 35 minutos, em visita à nova estação de tratamento de óleo da Petrobras, localizada na Fazenda Alegre, em Jaguaré (norte do Espírito Santo), acompanhado da ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, do presidente da Petrobras, José Eduardo Dutra, e do governador capixaba, Paulo Hartung (sem partido).
Em seguida, Lula continuou dizendo ter recomendado ao 'companheiro' que 'fechasse a boca'. "Eu disse ao meu companheiro: "Olha, se tudo isso que você está me dizendo é verdade, você só tem o direito de dizer para mim. Aí para fora você feche a boca e diga que a nossa instituição está preparada para o desenvolvimento do nosso país".
Lula e o PT são PhDs em insinuações contra reputações alheias. Fizeram carreira à base do denuncismo. Embora no poder, continuam a reincidir, aqui e ali, na prática de lançar insinuações contra adversários, veneno que passaram a vida distribuindo em doses generosas a torto e a direito. Sob a bandeira da ética na política – falsa, vê-se agora que o PT chegou ao poder – os petistas praticaram um udenismo chinfrim. Ninguém prestava, todo mundo era desonesto, só o PT detinha o monopólio da virtude. O recurso ao denuncismo, largamente empregado por Lula e seus companheiros como arma para chegar ao poder, deu grande contribuição ao rebaixamento da política no Brasil.
Hoje do outro lado e premiados com uma oposição que não adota a receita petista de usar o denuncismo como arma política, Lula e o PT lançam mão do mesmo cinismo com que armavam acusações contra o governo – qualquer governo –, agora para acobertar as poucas, tímidas denúncias de que têm sido alvo, em quase dois anos e meio de poder. Waldomiro Diniz, demitido "a pedido", é apenas o exemplo mais notório. Beneficiados por uma condescendência que não tiveram outros governos, os petistas vêem facilitada sua tarefa de varrer para baixo do tapete a sujeira que atribuíam aos adversários. Está aí Humberto Costa, que trouxe uma coleção de vampiros companheiros para o Ministério da Saúde e hoje é apontado como exemplo de gestor pelo próprio presidente da república. Estão aí nove ou dez ministros a empregar suas mulheres no setor público e o governo a tentar provar que parentes de petistas são diferentes dos parentes dos outros.
Ao defender o ministro, ontem, Lula segue a mesma trilha de mistificação que animava o denuncismo do PT. Diante de acusações fartamente documentadas, reclama de "insinuações." Não, senhor, não são insinuações nem aleivosias como as que fazia o PT na oposição. O que desaba sobre a cabeça de Romero Jucá é uma avalanche de denúncias bem fundamentadas. "Manchete de jornal não tira ou coloca ministro", diz Lula. Tira, sim, e vários tiveram que sair, porque o denuncismo do PT, quando era oposição, tornou inviável a permanência deles, embora fossem inocentes até prova em contrário – outra alegação, aliás, brandida por José Dirceu, há poucos dias, para justificar a permanência de Jucá.
Há mais Lula, nos jornais de hoje, tentando confundir as coisas: "Por enquanto, tem muitas insinuações. Acho que quem é político sabe o que significam insinuações [do tipo] 'eu acho, eu penso', mas é preciso que haja coisas concretas, e ele (...) me procurou duas vezes para dizer que está pedindo para que o Ministério Público e a Polícia Federal apurem, o mais rapidamente possível, porque ele é o maior interessado que a verdade venha à tona."
Sim, Lula, graças ao PT, quem é político – principalmente, não-petista – sabe muito bem o que significam insinuações do tipo 'eu acho, eu penso.' Quem faz de conta que não sabe são os que hoje misturam no mesmo balaio, como se fossem a mesma coisa, insinuações levianas com apresentação de fatos e comportamentos da vida privada com princípios da vida pública.
Se Jucá deixar o ministério, não será por causa da torrente de provas que a mídia tem oferecido, mas porque não é do PT. O partido que sempre foi uma Salomé a pedir cabeças de ministros protege mais os seus, a menos que caiam nas malhas da intriga interna, como Cristóvam e Benedita. A solidariedade entre amigos que caracteriza o governo não permite demissões de petistas por justa causa. Aos companheiros é aplicado no máximo o puxão de orelhas que um pai compreensivo reserva aos filhos que cometem erros. A leniência paternal não pode, contudo, ser transposta da família para a esfera pública. A camaradagem do sindicato e as dívidas de gratidão político-partidária não combinam com o sentido republicano. Ao contrário do entendimento de Lula, o Estado não é uma mãe, nem o governo é uma ação entre amigos.
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