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terça-feira, abril 05, 2005
Folha de S.Paulo - LUÍS NASSIF:Os filhos de João Paulo 2º- 05/04/2005
Temo, cá para mim, que João Paulo 2º tenha sido um desastre, nessa fase crucial para a igreja, confrontada com a expansão ilimitada dos meios de comunicação, com a universalização das informações, com a ampliação dos direitos individuais, com a internacionalização dos movimentos pelas minorias e com as novas formas de pregação eletrônica.
No momento em que o mundo se abria, a igreja de João Paulo 2º se fechava. Quanto mais a democracia se consolidava, mais sua igreja se tornava autoritária.
Ah, doce lembrança dos tempos de João 23, que conseguia amenizar o vezo autoritário que perpassa toda a igreja, dos conservadores aos membros da Teologia da Libertação.
Na igreja, o conceito de dogma é peça central em qualquer discussão, seja sobre aspectos morais ou políticos. É a maneira que a organização encontrou para manter a unidade, dentro da diversidade de ambientes em que atua.
Era esse anacronismo autoritário que necessitava de um reformador, de um novo João 23, de uma abertura para o mundo, da criação de uma nova utopia, que conseguisse equilibrar o racionalismo com a espiritualidade, a legitimação das ações sociais com a visão moderna de mundo, enfrentando esse paradoxo contemporâneo do racionalismo trazido pela abundância de informações e a necessidade cada vez maior de amparo espiritual. Principalmente -e aí está o maior desafio do reformador- que definisse um modelo moderno de gestão, suficientemente flexível para contemplar as diversidades nacionais, suficientemente orgânico para impedir a dispersão da igreja.
As modernas empresas globais tentam manter a coesão em torno de valores, racionalmente incutidos no seu corpo de funcionários e permanentemente discutidos e atualizados. Não se peça essa rapidez a uma organização milenar. Mas a alternativa à rapidez não é a fossilização.
A igreja de João Paulo 2º não conseguiu se situar nesse mundo de alta complexidade. Recusou o apelo fácil dos pastores eletrônicos, mas o que foi colocado no lugar? Racionalismo, nessa disputa incessante com a ciência, proibindo a pílula, a camisinha, insistindo no voto da castidade, como se os padres fossem seres intemporais, imunes às mudanças de costumes e de valores?
O resultado desse anacronismo está nos sucessivos escândalos envolvendo a igreja católica norte-americana -a menos blindada pelo temor reverencial dos fiéis.
Longe do olhar militarizado do Vaticano, o que se vê por aqui, numa ponta, são os padres Marcelos; na outra, os filhos da Teologia da Libertação, pré-internet, ambos trabalhando em canais próprios, sendo aceitos pelo CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), porque não há uma bandeira sequer para ser colocada em seu lugar.
Conheço católicos históricos, filhos de Pio 12. Conheço católicos de atuação social, filhos de João 23. Conheço católicos brasileiros, filhos de dom Paulo Evaristo Arns e de dom Cláudio Hummes.
Não sei quem são os filhos de João Paulo 2º.
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