Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, abril 06, 2005

Folha de S.Paulo - Janio de Freitas: Doutrina da marcha à ré- 06/04/2005


O Exército está muito perto de restabelecer, na prática, a "doutrina do inimigo interno", pela qual se orientou, do início da Guerra Fria até mais ou menos a Constituinte de 1988, para a execução discricionária de repressão militar a movimentos sociais reivindicatórios, de protesto, de participação estudantil e quaisquer outros dados como "contrários à ordem".
O risco (ou ameaça?) está exposto com toda a clareza na criação da 11ª Brigada de Infantaria Leve -Garantia da Lei da Ordem, acomodada na sigla BIL-GLO, e nas finalidades atribuídas aos seus 7.000 homens postos sob treinamentos especiais, com equipamentos atualíssimos de repressão pública: ação em favelas, de desocupação de terras e contra distúrbios civis. Ou, na elucidação do seu comandante, general Antonio Costa Burgos: "Os movimentos sociais organizados hoje adotam determinadas posturas que vão contra a comunidade de maneira geral". Diz a Constituição que esses são casos para as polícias, só em situações emergenciais admitindo a participação das Forças Armadas.
O Exército baseia a criação da brigada em um decreto de Lula, o 5.261 do ano passado. Poderia apresentar mais um argumento desagradável para os inquietos com a criação da brigada repressora: o Exército está dando resposta à reivindicação do grupo de políticos, classes altas e certos jornalistas do Rio que têm pedido o Exército nas ruas, sempre que a violência da bandidagem se exacerba na cidade. Nem precisaria explicar as saudades e os interesses que movem a maioria daquele grupo.
Os juristas Fábio Konder Comparato e Dalmo Dallari já apontaram "o desvirtuamento da Constituição" com a criação e os propósitos da brigada de "Garantia da Lei e da Ordem". "No caso dos protestos sociais, não se pode usar o Exército", afirma Comparato por intermédio de Soraya Aggege, que recolheu também as outras declarações para o "Globo". A Anistia Internacional já se manifestou: a novidade "é muito preocupante e muito negativa, põe em risco os direitos humanos. Parece que não leram o projeto do próprio governo para a segurança pública". A Anistia prevê a inclusão da brigada no seu relatório sobre as condições dos direitos humanos no mundo.
Mais importante, porém, do que a criação da brigada, é o que ela reflete. A idéia de democracia, com a sua peculiaridade de absorver as contraposições até torná-las convivências, ainda não está assimilada.
Pensar em repressão militar para manifestações civis, já passíveis da ação policial se exorbitantes, é estar ainda aquém dos domínios da Constituição democrática.
Assim sendo, não se prevê quando a brigada em treinamento terá o seu primeiro ato de repressão militar, mas pode-se prever que, feito o primeiro, dificilmente se evitarão que os subseqüentes sejam incontroláveis. Até onde?

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