Folha de S.Paulo - Eliane Cantanhêde: Bom demais para ser verdade - 05/04/2005

BRASÍLIA - A Igreja Católica é fundamental na história do PT, e a ministra Marina Silva, por exemplo, fez toda a sua carreira política com base na Teologia da Libertação e dentro das Comunidades Eclesiais de Base. Agora, Marina é evangélica.
Esse é só um pequeno exemplo da intensa migração de católicos para outras religiões, especialmente para as evangélicas. O fenômeno é alimentado pela competência pouco ortodoxa de umas para atrair novos rebanhos mas também pela incompetência da outra para manter os seus.
Em um quarto de século de João Paulo 2º, e com sua participação direta, a geografia política do mundo mudou. Vieram a queda do Muro de Berlim e todas as suas conseqüências. Mas as desigualdades entre continentes, países e homens continuam.
No Brasil, já não se fazem mais bispos como Pedro Casaldáliga e Tomás Balduíno (que, de tão isolado, condena até o agronegócio). A Teologia da Libertação caiu em desuso. Dogmas se sobrepõem às necessidades mínimas da humanidade, e o individual, ao coletivo. Quem compete com os evangélicos é o padre Marcelo Rossi.
Talvez falte à Igreja Católica olhar mais em volta e atualizar-se. A proibição da camisinha, para ficar num só exemplo, oscila entre meramente ridícula e gravemente irresponsável. Dilema dos fiéis: não fazer sexo, fazer com culpa ("em pecado") ou se expor à Aids. A alternativa é não ligar.
João Paulo 2º levou para seu papado todas as dores e experiências de menino e cidadão da Polônia, país traumatizado pelo nazismo e pelo comunismo -o que foi bom. Mas levou também um excesso de conservadorismo em costumes -o que é ruim.
Seu sucessor deveria levar as dores e experiências de um país com miséria e profundas desigualdades, como o Brasil. E ser liberal (ou realista) quanto aos costumes, como D. Cláudio Hummes. Ele, porém, é bom demais para ser verdade. A expectativa dos especialistas é que o papa volte a ser um italiano, de preferência velho e conservador.