Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 02, 2005

Folha de S.Paulo - Editoriais: UM AVANÇO RELATIVO - 02/04/2005


A divulgação de dados adicionais a respeito do desempenho do PIB brasileiro em 2004 suscitou novas manifestações de contentamento por parte do governo, como já ocorrera quando apareceram as primeiras estimativas. Repetiu-se que o ritmo de crescimento alcançado, de 5,2%, foi o maior desde 1994 e pôde-se aferir, à luz de informações antes desconhecidas, que a taxa de investimento - isto é, o peso relativo dos investimentos no PIB - elevou-se em quase dois pontos percentuais, chegando a 19,6%, o nível mais alto desde 1998.
São resultados de fato positivos, mas é preciso examiná-los no contexto em que foram gerados. E esse contexto, no que tange ao cenário global, tem sido até aqui extremamente favorável. As economias dos Estados Unidos e da China têm puxado acentuadamente a demanda, e os baixos juros nos países ricos ainda mantêm uma situação ímpar de liquidez internacional. Os 5,2% alcançados pelo Brasil certamente merecem ser saudados, sobretudo num país com persistentes dificuldades de crescer a taxas expressivas, mas estão aquém dos resultados de várias outras economias emergentes.
Também a festejada recuperação do investimento precisa ser qualificada. Em primeiro lugar, porque 2003 representa uma base de comparação excepcionalmente baixa: naquele ano, os investimentos responderam por apenas 17,8% do PIB, o percentual mais baixo desde 1967.
Em segundo lugar, em parte, esse aumento da taxa de investimento de 2003 para 2004 foi reflexo de uma circunstância específica: o fato de que a elevação dos preços dos bens de capital foi claramente maior do que a dos preços dos bens e serviços que compuseram o PIB brasileiro. Descontada essa influência, a taxa de investimento teria aumentado, em 2004, para 18,8%, e não para 19,6%.
Os dados até aqui citados seguem todos a metodologia que leva em conta os preços correntes dos bens e serviços. Calculando-se a evolução dos investimentos por metodologia alternativa, denominada "a preços constantes" e voltada a eliminar a influência da variação dos preços para melhor aferir o seu comportamento em termos quantitativos, constata-se que a melhora do investimento em 2004 partiu de uma situação ainda mais adversa do que as estatísticas antes citadas sugerem.
De acordo com as estimativas elaboradas pelo Ipea, utilizando essa metodologia, a taxa de investimento de 2004, embora ligeiramente superior à de 2003, ainda se manteve substancialmente abaixo da de 1998. Desde 1970 (ano inicial da série calculada pelo Ipea), apenas quatro anos (1992, 1993, 2002 e 2003) tiveram investimentos tão baixos quanto os de 2004.
Essas constatações ressaltam que o investimento se mantém deprimido há duas décadas e servem de alerta em relação ao muito que falta para atingir níveis de investimento capazes de lançar a economia brasileira num novo ciclo de desenvolvimento. Contribuir para que esse salto se viabilize constitui, sem dúvida, um dos maiores desafios colocados à política econômica.

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