Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, abril 14, 2005

Clovis Rossi: Confissões de um fracasso

ROMA - Juro que faço um baita esforço para me compenetrar de todos os ritos que cercam a eleição de um papa ou as crenças dos verdadeiramente fiéis. Por exemplo: a idéia de que os santos exalam "odor de santidade" (como os papas são ou deveriam ser mais santos que os mortais comuns, também se enquadram nessa idéia, suponho).
No sábado, na segunda das missas do novendiário (os nove dias de cerimônias fúnebres pelo papa), fiquei na primeira fila do corredor lateral da Basílica de São Pedro, por onde entrariam os cardeais que concelebrariam a missa. O que quer dizer que o futuro papa, se estava entre eles, passou a um metro do meu nariz, pouco mais, pouco menos.
Mas tudo o que senti foi o quase sufocar pelo incenso que o coroinha que os precedia agitou bem na minha frente. Odor de santidade, nem pensar nessas circunstâncias.
Ontem, fiz o popular plantão na esquina de uma das casas em que se hospedam cardeais em Roma. Fiquei até feliz. Já é uma promoção fazer plantão numa esquina de Roma para quem começou no plantão à porta de quartéis, faz 42 anos.
Os cardeais iam chegando, identificáveis apenas pelo solidéu vermelho. Odor de santidade, de novo nada. Pior: só reconheci um deles. Deixei passar batido até o cardeal Miguel Obando y Bravo, que era consulta obrigatória, nos anos 80, durante a baita confusão em que estava metida a América Central (Obando y Bravo é nicaragüense e foi adversário da revolução sandinista).
Não dá para chegar a um cardeal que amanhã ou depois pode ser o papa e perguntar: "O senhor é o famoso quem mesmo?". Para meu consolo, não estou sozinho nessa cruel ignorância: li outro dia que, após a eleição de Karol Wojtyla, em 1978, um cardeal latino-americano perguntou: "E quem é esse Bottiglia?"
Tomara que odor de santidade seja apenas uma metáfora.
Folha de S.Paulo

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