Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, abril 21, 2005

BRASÍLIA, 45 ANOS



Numa das passagens mais conhecidas de seu "Tristes Trópicos" (1955), Claude Lévi-Strauss comenta que as cidades do Novo Mundo transmitem a sensação de passar da barbárie à decrepitude sem ter conhecido a civilização. O antropólogo francês pensava em São Paulo, que conhecera nos anos 30, mas a observação serve a propósito de Brasília, que faz hoje 45 anos.
A capital do país é muito jovem -não chega ainda a ter meio século de existência. Por isso, é ainda mais impressionante o quanto já se distanciou do projeto histórico do qual foi o maior emblema. Na sua origem, Brasília representou a síntese do ideário nacional-desenvolvimentista. Sua construção significou a viabilidade e a promessa de uma nação socialmente integrada.
A utopia inscrita nas linhas modernistas de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, instaladas em pleno descampado do Planalto Central, alimentou a crença de que a nova capital resumia o espírito de uma época que iria solucionar os contrastes e antagonismos brasileiros, redimindo nossa herança de desigualdades.
A ruptura de 1964 reduziu essa fantasia a pó. A comunhão nacional esboçada no período anterior revelou ser ilusória, frágil, incapaz de resistir à dinâmica excludente do país. Brasília se tornou, ao longo do ciclo de exceção, sinônimo de cidade fria e desumana, refratária às pressões sociais, uma ilha de tecnocratas apartada do país. Percebeu-se que sua arquitetura, majestosa e futurista, servia também à vocação autoritária.
Com a redemocratização, apareceu uma outra cidade. Nela, o projeto modernista original está duplamente emparedado: de um lado, pela miséria, pela violência, pela explosão das cidades-satélite e da favelização do entorno da capital; de outro, pela irrupção não menos selvagem de construções tipicamente pós-modernas, verdadeiros monstrengos arquitetônicos que parecem escarnecer do sonho de Niemeyer.
Imaginada como símbolo de uma nova civilização, Brasília acabou se tornando uma espécie de museu precoce do que não conseguimos ser. A capital foi engolida pelo Brasil.
Folha de S.Paulo - Editoriais

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