Confrontado com a procissão de denúncias e suspeitas puxada pela entrada de Romero Jucá na equipe ministerial, José Dirceu simulou a serenidade sempre recomendável ao capitão do time em maus momentos. "Ele está prestando contas ao Ministério Público e à sociedade", desconversou. "E tem a confiança do presidente da República".
O chefe da Casa Civil ainda não pôs os pingos nos is prometidos há um ano sobre as negociatas promovidas pelo assessor e amigo Waldomiro Diniz. Deve estar efetivamente impressionado com o ministro da Previdência Social: Jucá pelo menos admite falar sobre as histórias malcheirosas que o envolvem. Dirceu prefere o silêncio ou o despiste.
Se o capitão e o presidente resolveram mesmo acreditar no palavrório de Jucá, vão afundar abraçados. É difícil engolir os argumentos do homem espancado por denúncias e suspeitas. Dele duvidam até parlamentares do PT e do próprio PMDB, que hoje hospeda o ministro nomeado por Lula com pompa e circunstância. (Selava-se, com a ascensão de Jucá, a aliança entre o Planalto e o presidente do Senado, Renan Calheiros, que indicou o amigo para salvar a Previdência.)
Ele até fez bonito na primeira aparição como ministro. Acabara de sair de uma audiência com Lula, que se entusiasmara com as medidas concebidas para fechar o rombo da Previdência Social. Eufórico com o endosso do chefe, foi um Jucá grávido de confiança que emergiu diante dos jornalistas. "Em dois anos, o déficit já sofrerá uma redução de 40%", garantiu. Detalhou algumas rotas que levarão o sistema previdenciário para longe da insolvência, das filas intermináveis, do pântano das fraudes, do anacronismo que neutraliza os supostos instrumentos de fiscalização e controle.
O conjunto de rotas, atalhos e trilhas, no papel, é um monumento à imaginação criadora. E nada pareceu tão audacioso quanto o rascunho da estrada que pretende fincar o marco zero em areias movediças até agora intocadas. "Vamos fechar o cerco a todos os grandes credores da Previdência", anunciou. "Desta vez, ninguém vai escapar".
Excelente idéia. Para materializá-la, contudo, Jucá primeiro terá de excluir-se do clube dos devedores do Banco da Amazônia, o Basa. Quem deve tem de pagar, ou provar que a cobrança é improcedente. Antes disso, devedor nenhum pode assumir o papel de cobrador. Essa obviedade sublinhou a segunda entrevista coletiva. Jucá queria comemorar uma redução no rombo. Os jornalistas estavam interessados em esclarecer o caso do empréstimo concedido pelo Basa à Frangonorte, empresa adquirida por Jucá em sociedade com amigos poderosos de Roraima.
A transação se consumou em 1996 graças a garantias oferecidas pelo atual ministro. Segundo o Basa, pesa sobre os ombros de Jucá uma dívida avaliada atualmente em R$ 18 milhões. No esforço para isentar-se de culpas, Jucá enroscou-se numa teia de versões inverossímeis. Que roçaram a fronteira da maluquice depois da divulgação do documento relacionando as garantias do empréstimo, entre as quais figuram sete fazendas no Amazonas.
A Justiça e a imprensa constataram que Jucá é dono da assinatura no papel, mas as terras não foram localizadas. Nem seria possível. As fazendas nunca existiram. Jucá afirma que o banco deveria ter conferido a papelada com mais cuidado. No Brasil, enganadores agora transferem para enganados a culpa pela enganação. O ministro jura que, ao ser convidado, contou a Lula essa história do Basa. O presidente achou que não havia nuvens no horizonte.
Ao interromper a reforma ministerial que parou em Jucá, Lula ficou muito feliz. Hoje estaria transbordando euforia se a mudança nem tivesse começado.
JB
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