Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 10, 2005

Augusto Nunes:Quem deve não pode cobrar



10.04.2005 | Romero Jucá até que fez bonito na primeira aparição como ministro, ocorrida um dia depois da posse. Horas antes, apresentara ao presidente da República o conjunto de medidas concebidas para fechar de vez o rombo da Previdência Social. Lula gostou do que ouviu, cumprimentou Jucá por tamanha rapidez no gatilho. Entusiasmado com o endosso presidencial, foi um ministro grávido de confiança que emergiu diante da platéia de jornalistas.

“Em dois anos, o déficit já sofrerá uma redução de 40%”, informou. Detalhou rotas que levarão para longe da insolvência o sistema previdenciário. Um dos caminhos leva ao fim das filas intermináveis. Outro conduz à modernização dos instrumentos de fiscalização e controle: atualmente, por falta de sistemas informatizados, os números e estatísticas disponíveis são tão confiáveis quanto uma cédula de 3 reais. O conjunto de rotas, atalhos e trilhas abarca esses e outros problemas. Trata-se de um monumento à imaginação criadora.

Nada pareceu tão audacioso quanto o rascunho da estrada principal, que pretende fincar o marco zero num pântano até agora intocado. “Vamos fechar o cerco a todos que têm contas a ajustar com a Previdência”, anunciou. “Mas desta vez a ofensiva começará pelos grandes devedores.” Excelente idéia. Para materializá-la, contudo, Jucá primeiro terá de excluir-se do clube dos devedores do Banco da Amazônia, o Basa. Quem deve tem de pagar, ou provar que a cobrança é improcedente. Antes disso, nenhum devedor pode assumir o papel de cobrador.

Essa obviedade sublinhou a segunda entrevista coletiva do ministro. Jucá queria comemorar a suposta redução de R$1 bilhão no rombo da Previdência. Os jornalistas estavam interessados em desvendar mistérios que envolvem o empréstimo concedido pelo Basa à Frangonorte, empresa adquirida por Jucá em parceria com o amigo Getúlio Cruz, ex-governador de Roraima. Segundo o banco, a transação se consumou em 1996 graças a garantias oferecidas pelo atual ministro. Portanto, pesa sobre seus ombros uma dívida hoje avaliada em R$ 18 milhões.

No esforço para isentar-se de culpa, Jucá enroscou-se numa teia feita de explicações insensatas, argumentos anêmicos, denúncias inverossímeis. O palavrório tornou-se especialmente amalucado depois da divulgação de um documento em que Jucá inclui entre as garantias do empréstimo sete fazendas espalhadas pela Amazônia. A Justiça e a imprensa constataram que Jucá é o dono da assinatura no papel, mas não das terras. Aliás, as sete fazendas não foram localizadas. Nem serão, porque nunca existiram. Jucá afirma que o banco deveria ter conferido a papelada com mais cuidado. No Brasil, enganadores transferem a culpa para os enganados.

Em conversas reservadas, Lula se diz arrependido por ter nomeado Jucá, indicado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros. O ministro não pretende deixar o cargo voluntariamente: reitera que, ao ser convidado, contou a Lula essa história do Basa. (A seu modo, presume-se. Mas o presidente achou que não havia nuvens no horizonte.) Como Lula odeia demitir alguém, pediu ajuda ao padrinho do trapalhão recém-chegado ao governo. Renan Calheiros poderia alegar, como tem feito Jucá, que foi apenas o fiador inocente. Mas preferiu defender o afilhado, montando uma contra-ofensiva engrossada por integrantes do PT. Correm o risco de afundar abraçados.

Lula não escondeu a alegria quando interrompeu, na segunda nomeação, a mudança do Ministério. Hoje estaria transpirando felicidade se a reforma que parou em Jucá nem tivesse começado.

no mínimo



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