Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, abril 12, 2005
Arnaldo Jabor:‘Chacina faz parte do mercado, doutor’
"Nonada”, senhor; não há mais a crueldade. As novas mortes como a chacina de Nova Iguaçu estão além do bem e do mal. Há crueldade num abatedouro de frangos, como a imaginária “Frangonorte” do ministro Jucá? Não. Os frangos são decapitados por diligentes carrascos de branco, limpinhos, como num Auschwitz higiênico. Nem nos matadouros há crueldade , apena operários mal pagos entre mugidos tristes. O mesmo nas chacinas. Ninguém sente nada. E nós, em Nova Iguaçu, nem nos preocupamos em tapar as pistas. Sabe por quê? Porque estávamos cumprindo uma tarefa, cuidando de nossos interesses.
Estamos defendendo a nossa graninha. O senhor pensa o quê? Que aquele soldo micha que a gente ganha correndo atrás de ladrão dá pra viver? A Zona Sul não entende, continua falando em violência, direitos humanos... Nossa única saída é a segurança privada... Cada vez que matamos um vagabundo, podemos ganhar até elogio no quartel. E se a gente tem a arma, balas, se o comando não liga muito, que que eu tenho? Tenho poder de barganha. Por isso, eu boto o meu poder de fogo no mercado. A gente aluga os serviços para os comerciantes, os donos de boteco, os bicheiros, os donos de “rendez-vous”. Quanto me dão para protegê-los? Quanto me dão para não morrer? E tem a concorrência, tem várias “polícias mineiras” lutando por sua fatia de emprego. E mais, se a região fica em paz, a gente tem de inventar uns crimes para aquecer o mercado da proteção. Nossos produtos são os corpos mortos.
Tudo organizado, a gente trabalhando numa boa, no quartel e nas empresas e no varejo e aí, de repente, chegam uns comandantes metidos a “caxias” e querem mudar as regras do jogo no peito, atrapalhando o comércio. Como? Querem desfazer uma rede organizada, que levou tempo para se aperfeiçoar, com amigos no governo do estado, tudo? Eles nem ligaram para as duas cabeças decepadas que jogamos de aviso por cima do muro do quartel: uma para o comandante e outra para o sub. É mole? Dá trabalho pegar dois vagabundos e cortar a cabeça; esguicha muito sangue, tanto que a gente cobre o quengo do elemento com uma toalha na hora da degola. Eu já tinha visto a decapitação de um refém no Iraque, na internet... eta gente competente! O árabe foi serrando com a faca, assim, pescocinho duro, e o americano só deu uma estrebuchada na hora do corte, só deu um mugidinho. Estamos aprendendo com os craques do Oriente... Nós avisamos, e quem avisa amigo é, doutor...
Mas há uma diferença entre nossos “presuntos” e os “presuntos” do Oriente. Lá, eles ou matam e são mortos por religião ou se explodem felizes por uma causa política. Nós, não. A gente não pensa em ir para o céu feito os homens-bomba. Nosso prazer é matar neles a nossa vida escrota, ordinária, matar neles, em nossos colegas de favela, nosso destino de soldados rasos na vida miserável. O senhor entendeu? A gente gosta até mesmo de exibir, jogar na cara dos playboys nossa ferocidade.
Mas também há o prazer, sim, devo lhe dizer... Matar ainda é a maior diversão... O senhor já matou alguém, não? Não sabe o que está perdendo... O prazer de sair com uma ponto 40, ali, no tiro ao alvo, os otários levando susto, é de matar de rir; a cara do babaca voltando do trabalho e a gente acertando ele na porta de casa, esposinha berrando, criancinhas chorando... dá uma adrenalina legal, parece que fica tudo bonito em volta. Num botequim que tinha uns babacas dentro, quando a gente tacou fogo, o néon ficou mais forte, tudo ficou luminoso! Parecia um milagre! Aliás, a morte matada parece mesmo um milagre. O cara que estava andando ali, falando, chorando, sei lá, de repente fica quietinho, fica obedientezinho, não se mexe mais. É superlegal... o cara vira coisa. Tem um lance de milagre, sim. Eu confesso que me sinto leve. E tem mais: a gente não quis matar na moita... Os “presuntos” têm de ser vistos, ali, caídos; afinal fomos nós que criamos tudo aquilo... Legal é o prazer de abrir uma cerveja, acender um baseado e ficar vendo na TV a nossa “obra”. É um baratão. Parece uma exposição de pintura, uma “instalação” — aqueles corpos ali caídos na estrada, em posições diferentes, as autoridades falando em “providências”, os ministros, o Lula... é o maior barato... Dá vontade de sair na rua e gritar: Fui eu!!!
Hoje em dia estamos obrigados a criar notícias, fazer “mídia”, temos de chamar atenção e cada vez está ficando mais difícil. É tanto crime... que a gente tem de caprichar... O senhor veja, a turminha lá do Elias Maluco inventou o “microondas”... bacana... obra de arte, o cara queimando dentro dos pneus, é dos espetáculos mais emocionantes que já vi, chega a dar medo, mesmo na gente que está acostumado e, quando acaba com o cara virando cinza, dá um alivio, como uma purificação... É demais...
Mas o que me dá tranqüilidade, senhor, é que mesmo que eles nos peguem a todos (ninguém lembrou de mim...) não vai rolar nada terrível... Nós sabemos que no Brasil é impossível resolver o “problema da violência”, como os playboys chamam...
Os presos serão usados para esconder mais ainda o problema. Serão punidos, sim, mas daqui a pouco ninguém se lembra. Serão punidos como se fossem assassinos por “maldade”, “pecadores” contra a vida. Mas essas punições, condenações vão justamente esconder o comércio de corpos e de proteção. O que tinha de ser feito ninguém consegue fazer mais: atacar a rede que começa em nós, os pés-de-chinelo, passa pelos empresários, pelos oficiais graúdos, chega em políticos e autoridades. A gente é peão.
Não há mais crueldade; apenas defesa de mercado. O prazer do mal é apenas um subproduto de nossa profissão.
O importante é que a população se sinta vingada da “maldade” que cometemos, para que tudo continue como sempre foi: um labirinto de erros e incompetências que mantenha um mercado funcionando, para que nossos chefes e nós possamos sustentar nossas famílias dignamente.
Jornal O Globo
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