Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, abril 14, 2005

ALÉM DO NEPOTISMO

Infelizmente não é novidade que o patrimonialismo seja um dos traços definidores da formação social e do Estado brasileiro. A mentalidade segundo a qual a coisa pública é uma extensão ou mesmo parte dos bens privados é um vício histórico e insistente no país.
A modernização econômica, o avanço da democracia e o fortalecimento das instituições decerto contribuíram para limitar ou enfraquecer em alguma medida esse costume daninho. Mas não foram capazes de eliminá-lo. Relações de clientela e favoritismo convivem amalgamados com o Brasil moderno.
O nepotismo é uma das figuras do patrimonialismo que sobreviveram ao tempo. Hoje se encontra espalhado pela administração pública, em todos os níveis e nos três Poderes.
O problema ganhou agora nova visibilidade em razão dos atos e palavras de um de seus maiores propagandistas -o presidente da Câmara. São toscos e acintosos os argumentos de Severino Cavalcanti a favor do familismo na administração pública. A mesma indignação observada na sociedade diante da proposta abusiva de aumento dos salários dos parlamentares -outra iniciativa de Severino derrotada pela pressão pública- começa a ganhar corpo novamente como forma de reação às cenas de nepotismo explícito.
É, por isso, além de positiva, oportuna a proposta de emenda constitucional, aprovada pela CCJ da Câmara, que proíbe o nepotismo na administração pública em todos os Poderes. Há ainda um longo percurso até que tal proposta possa ser vitoriosa no Congresso -e, mesmo que isso ocorra, o avanço obtido não iria por si só resolver o problema. A lei não contempla, por exemplo, o chamado nepotismo cruzado -prática comum entre parlamentares que fazem troca-troca de parentes- nem seria capaz de coibir apadrinhamentos.
Para ir à raiz da questão, seria preciso atacar uma distorção mais grave, subproduto do patrimonialismo que compromete a eficácia do serviço público brasileiro. Trata-se do abusivo número de cargos ditos de confiança -preenchidos sem concurso-, o que favorece a cultura do favor em detrimento da meritocracia. Esse parece ser o maior entrave à constituição de uma burocracia profissional, qualificada e que obedeça ao princípio republicano da impessoalidade, um dos pilares da democracia.

Folha de S.Paulo - Editoriais

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