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A menina que não voltou da Disney
Como a viagem dos sonhos de Jacqueline, para comemorar seus 15 anos, transformou-se num pesadelo
Naiara Magalhães
Fotos Helvio Romero/AE e arquivo pessoal |
DOR INSUPERÁVEL À esquerda, os pais de Jacqueline, Maria Aparecida e Danilo, em seu enterro. Acima, a adolescente em uma foto feita durante a viagem derradeira |
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Milhares de pais brasileiros mandam seus filhos à Disney World a cada ano. A maioria deles o faz com a preocupação natural de quem deixa meninos e meninas, habitualmente vigiados de perto no cotidiano, experimentar pela primeira vez um pouco de autonomia a milhares de quilômetros de distância. Mesmo entre os mais ansiosos, contudo, poucos seriam capazes de desenhar um pesadelo como o vivido por Maria Aparecida e Danilo Elias Ruas, pais de Jacqueline, a adolescente que morreu na viagem de volta da Flórida. Na manhã de domingo 2, o casal correu ao aeroporto para buscá-la. Filha única, ela ganhara de presente de 15 anos uma excursão de doze dias à Disney World. A aflição em revê-la era grande porque, durante o passeio, Jacqueline adoecera. Ainda que as informações dadas a eles tanto pela menina quanto pelas guias da agência Tia Augusta Turismo fossem tranquilizadoras, Maria Aparecida e Danilo queriam constatar com os próprios olhos que a filha estava bem. Às 5h50 da manhã, quando chegaram ao Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, o voo 759 da Copa Airlines acabara de aterrissar. Mal pisou na ala do desembarque, Maria Aparecida recebeu o telefonema de um funcionário da companhia aérea. Ele pediu para que ela e o marido fossem ao escritório da Copa Airlines. Lá, ouviram que a adolescente sofrera uma parada cardiorrespiratória... Que ela não havia resistido... E que havia morrido. Maria Aparecida desmaiou. No posto médico, deitada em posição fetal, os olhos fixos no vazio, ela não abriu a boca. Permaneceu em estado de choque até as 9 horas, quando foi levada para ver a filha. Maria Aparecida agarrou-se de tal forma ao corpo de Jacqueline que foi difícil afastá-la.
O horror em que se transformou o passeio de Jacqueline à Disney começou a delinear-se cinco dias antes. Na terça-feira, ela teve febre e começou a tossir (veja o quadro). Depois de examinar Jacqueline, no quarto do hotel All Star Music, no complexo da Disney, em Orlando, a médica do seguro-viagem receitou um antiviral, um antibiótico e um antitérmico. A medicação não deteve a piora da saúde da menina. Além da febre e da tosse, ela passou a vomitar e a apresentar um cansaço extremo. Na quinta-feira, a adolescente reclamou de falta de ar. Levada ao hospital, foi diagnosticada com pneumonia. Após seis horas sob observação, os médicos a liberaram, com a recomendação de voltar imediatamente caso seu estado se agravasse. "O pessoal da Tia Augusta nunca mencionou a pneumonia", diz Magda da Paz, tia da menina. "A Gisele (a guia Gisele Martins dos Santos) frisou que minha sobrinha não estava com gripe A, que estava medicada e que não tinha nada grave." A empresa refuta essa versão. No seu comunicado distribuído à imprensa, lê-se: "A agência jamais omitiu quaisquer informações à família sobre a saúde da jovem".
Jacqueline dividia o quarto do hotel com três meninas. Na última noite no hotel, mostrava estar bastante debilitada. "Nós estávamos fazendo as malas e, de vez em quando, a Jacque se cansava, sentava na cama e pedia a nossa ajuda para arrumar as coisas", diz Marinna Sordi, de 13 anos. Apesar da fraqueza, ela insistiu em ir ao espetáculo do Cirque du Soleil, uma das atrações do pacote mais esperadas pela adolescente. Uma das participantes da excursão, Fernanda Carolino, de 16 anos, diz ter ouvido da guia Gisele que ela havia permitido a ida de Jacqueline ao circo porque ela ficaria sentada, sem fazer esforço físico.
No sábado, dia do embarque para o Brasil, Jacqueline conversou por telefone com a mãe e com a tia. "A voz dela era boa", diz Magda. No aeroporto, segundo as colegas de excursão, ela estava abatida. Em nada lembrava a menina alegre da chegada a Orlando, dez dias antes. No momento do embarque, Fernanda afirma ter ouvido a guia Gisele recomendar a Jacqueline: "É bom você colocar os óculos escuros para ficar com a aparência melhor. Senão, não deixam a gente embarcar". Jacqueline pôs os óculos. Dentro do avião, voltou a telefonar para a mãe. Reclamou de dor na barriga e no peito. Na Cidade do Panamá, onde fez a conexão para São Paulo, teve de sair do avião de cadeira de rodas. Durante o voo, a saúde de Jacqueline deteriorou-se abruptamente. No jantar, duas amigas tiveram de alimentá-la. "Ela comia um pouco de arroz e salada e já dormia", diz Laryssa Francisco, de 14 anos. "A gente tinha de acordá-la para ela terminar de mastigar."
O cansaço e a sonolência, segundo o pneumologista e intensivista Lúcio Santos, do Hospital A.C. Camargo, em São Paulo, eram fortes indícios de que Jacqueline entrara em choque séptico – a causa da morte apontada pela necropsia. Tal quadro costuma ser deflagrado por infecção generalizada. A pressão arterial, os batimentos cardíacos e a capacidade respiratória ficam tão comprometidos que o organismo entra em falência. "As condições dentro do avião podem ter debilitado ainda mais a saúde de Jacqueline", diz o infectologista Artur Timerman. O ar rarefeito na cabine do avião, equivalente ao de uma altitude de 2.500 metros, diminui a capacidade do organismo de absorver oxigênio. Uma pessoa saudável compensa essa dificuldade aumentando a frequência da respiração, mas alguém com pneumonia tende a piorar. Se Jacqueline tivesse sido avaliada por um médico no Panamá, dizem os especialistas ouvidos por VEJA, ela teria sido proibida de embarcar. E, é quase certo, estaria viva